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Os dilemas da arquitetura e seu objeto perdido1
Clara Luiza Miranda2

Dilema: necessidade de escolher entre saídas contraditórias e insatisfatórias.
Questão: Dom Juan, o bruxo dos livros de Carlos Castanheda, dizia que “todos os caminhos são bons, mas só um tem coração”. Nesta afirmação no fundo se busca a essência e o fundamento, a despeito de Dom Juan estar aberto a novas experiências sensoriais e psicológicas. Os percursos e limites de uns tempos para cá, tornaram-se muito mais porosos e flexíveis, Suely Rolnik manifesta esta nova situação: “Todas as saídas são válidas se as entradas forem múltiplas”.

Regras universais por mais desejáveis que sejam, já não são plausíveis nem possíveis no campo da arquitetura. O acervo para escolha do arquiteto contemporâneo pôde se constituir de toda cultura acumulada. Esta inflação de referências do campo da arquitetura é um sintoma do drama do autor. Dada a impossibilidade de regras universais ou coletivas, o projeto estaria inteiramente administrado por uma sensibilidade individual, anulada pela perda do sentido da ação de compor, como diz Sophia Telles.
Praticamente não se pode propor regras novas. Toda produção cultural está fadada à hipertextualidade: quer dizer, não há obra cultural que não evoque, de alguma forma, alguma outra. Nesse sentido, todas as obras seriam hipertextuais. De modo que, a síndrome da criação, se houver, não diz respeito ao referente.

Faz tempo, há um repertório muito complexo em que constam as posições hegemônicas da corporação ou do sistema; as do deconstrutivismo e outras do anti-sistema; as da atração pela ficção e pela narrativa que acolhem a hipertextualidade no campo da arquitetura; as atitudes de retaguarda, marginalidade e resistência local, e as da interlocução local-global, estas podem ser tanto sistema quanto anti-sistema (Jameson, 1995). Então, um primeiro dilema seria este excesso de teoria, mas que não chega ser um problema.

Em arquitetura, o objeto que se pretendeu absoluto e único, era clássico. A arquitetura clássica, em contraste com o que a rodeia é completa e total, tem unidade. Este objeto está perdido. Desde o modernismo, o clássico foi questionado em sua autoridade dogmática, todo um repertório acumulado durante milênios foi questionado.

O movimento moderno explicitava nos seus primeiros manifestos sua diferença para o classicismo, pois este manipula um repertório restrito e obedece a uma sintaxe rígida e limitativa, enquanto que a arquitetura moderna (em tese) derivara de um processo de seleções múltiplas, realizadas dentro de um repertório amplo, com uma sintaxe flexível e potencialmente criativa.

O moderno autêntico buscou o distanciamento da composição clássica, sobretudo da figuratividade, do ornamento, meios efetivos de comunicação com o espaço cívico da cidade. Além de questionar as ordens e também as características da modulação, modenaturas, da repetição, da proporção entre cheios e vazios, da simetria e os alinhamentos, que apesar disto muitos arquitetos modernos utilizaram. Mais do que expressar a nova civilização da técnica, da máquina e novas necessidades sociais; reconhecidos no plano funcional, no urbanismo, na política habitacional, o objetivo foi realmente criar uma nova referência entre formas, conteúdo, significado, uma renovação simbólica inerente aos processos de criação da arte.

Porém, isso acabou não concretizando uma arquitetura explicitamente universal, pelo contrário a pretensão de criar novos códigos públicos não foi aceita por parte do publico, que muitas vezes não apreciava a nova estética. Entretanto, esta “estética” acabou generalizando-se e banalizando-se pela disciplina de planos diretores urbanos e da tecnologia industrial.

Outras críticas à arquitetura moderna vêm do cunho utópico de suas “teses”, com a efetiva distância entre a suas expectativas e a realidade de atuação. O que deu força a escapatória pelo viés da memória nos anos 1980-90, como veremos a seguir.

As conseqüências mais graves vieram, entretanto, da estrita ligação entre arte e técnica (ciência) dentro de alguns programas da arte moderna, afinidade com a lógica mecânica da visão, afirmação que a expressividade era decorrência imediata da lógica construtiva ou função, e por fim, a crença no progresso incessante.

O Pós-Moderno, termo aqui utilizado a fim de evidenciar que a fase do moderno esta esgotada, veio para acusar o funcionalismo de determinista, a planta livre de recipiente amorfo e disciplinador (autoritário). E afirmar que a tecnologia e a industrialização comprovadamente não diminuiriam os custos de produção de edificações, nem o tempo gasto para construí-las; não melhorou as condições de vida da população, nem de trabalho do operário da construção; por outro lado, praticamente destruíram técnicas artesanais de construção que vinham respondendo as necessidades construtivas, ambientais a milhares de anos dentro de suas regiões. E finalmente, dizem que o zoneamento funcionalista, que disciplina o uso do solo e determina maneiras de parcelar o solo e de edificar volumes, afastamentos da rua; destruiu o tecido urbano tradicional, rico de vivência, com suas funções misturadas e volume construído contínuo. Afirmam que o funcionalismo criou uma cidade de grandes parcelas homogêneas ou fragmentadas em especialidades, ainda segregando ricos e pobres deliberadamente, e também que o funcionalismo tem servido muito bem à lógica da especulação e do lucro. Os arquitetos pós-modernos jamais enfrentaram esta condição, pelo contrário, enfrentaram-na com mais cinismo e submissão ao capital ainda.

É fato que os modernos subestimaram a contribuição da história, mas, superestimaram a contribuição de personalidades como Walter Gropius, Ludwik Mies Van der Rohe, Le Corbusier, Alvar Aalto, etc. Quase anularam o contribuo coletivo na transformação da cidade na sua histografia, assim como no valor da cultura dos lugares. A tentação de moderna começar do zero acabou na noção de viver recomeçando, além disso, tal rompimento com a história poderia gerar um homem amnésico, e certamente, um homem amnésico não é um homem com suas faculdades plenas.

Esta posição não era homogênea no movimento moderno. Basta lembrar de um filósofo moderno importante Walter Benjamin, cujo valor dado à memória é muito conhecido. Ele é o mesmo homem que diz “apaguem os rastros”. (Bertold Bretch apud Benjamin), e diz também que habitar é deixar rastros (Walter Benjamin). A revolução, o “clash” dos modernos foi, para Benjamin, um momento de abreviação concentrada, histórica de tempo. Em Benjamin, não se recalca o passado para se produzir uma apologia do presente, os dias de festa são dias de rememoração e ter abertura para novo é anular a angústia (Matos, 1989).

No fim do século XX, iniciou-se o processo a transformação do pensamento e da conceituação do homem e de seu universo que não teve muito impacto na arquitetura contemporânea. Movimentos, denominados de deconstrutivismo, pós-estruturalismo, dentre outros, elaboraram posições que não foram bem aceitas por causa do medo em assumir referências alheias ao universo arquitetônico. Receio de enfrentar as incertezas, com o mesmo procedimento de produção de sentido que há em outras disciplinas. De modo que, a arquitetura não questionou criticamente seus próprios fundamentos. Permaneceu fiel a princípios próprios, que foram se tornando insustentáveis, devido a seu inerente questionamento interno arquiteto segundo Peter Einseman. Porém, sobretudo a negação de enfrentar as novas situações tornou-se problemática devido ao curso dos acontecimentos.

Esta resistência da arquitetura em assumir o estado de desagregação cultural, provocou fortemente no campo da arquitetura, a nostalgia pelo autêntico, verdadeiro e pelo passado (anos 1980-90). Este dilema entre retorno ao passado e crise dos fundamentos é mais grave e reverbera questões advindas das ciências sociais.

 

Luto e melancolia
Diagnostica-se o sentimento de negatividade experimentado contemporaneamente. A consciência deste estado de ânimo resulta em reações antagônicas que Denise Xavier descreve:

“Uma primeira reação tenta combater a negatividade com positividade e a segunda pensa que a única saída para se superar a negatividade está na sua potencialização. Estas duas reações servem para ilustrar a condição pós-moderna, melhor dizendo, a situação de crítica dos paradigmas modernos”.

A desagregação do sistema de valores estável e a perda das certezas e de direção são fatores que provocam este clima de desalento na reflexão teórica da arquitetura.. De acordo com o texto luto e melancolia de Freud, relativo à perda de algo ou alguém, pode-se desenvolver reações. A melancolia permanece atrelada à perda, pois o objeto da perda e o seu próprio ego estão fundidos no mesmo processo. O luto se tem claramente definido o objeto perdido, e a separação deste é mais possível. Neste sentido, tomando emprestadas estas metáforas coteja-se a memória aos defensores de retorno aos fundamentos e aos historicistas e o luto aos deconstrutivistas.

A melancolia da idéia de uma estrutura permanente está no apego aos códigos do processo histórico, que são arrancados do seu espaço-tempo, convertendo-se em ruína, uma estratégia de entendimento dos bens culturais, que de acordo Walter Benjamin, permite que o sujeito se aproprie dos objetos. O deconstrutivismo aponta a possibilidade de identificar e detonar o centro, a fim de obter múltiplos fragmentos que deveriam resultar em novos significantes e significados. Uma aceleração do processo da morte do objeto, sua ruína, que se opõe ao preenchimento do vazio desta morte com um retorno. Demonstra-se que não há medo de se assumir referências alheias ao universo arquitetônico, ao enfrentar as incertezas, com o mesmo procedimento de produção de sentido de outras disciplinas.

 

Topia versus atopia
Aldo Rossi, arquiteto italiano falecido, retoma alguns princípios que haviam sido rechaçados pelo modernismo. Para ele, a raiz da concepção arquitetônica está na correta articulação dos elementos da memória, do lócus e do desenho. Rossi crê que o resultado desta justa articulação de elementos pelo objeto arquitetônico é capaz de evocar a idéia de lócus, que é a idéia de um lugar marcado pela presença protetora do genius loci.

A presença desta marca dota o espaço de um registro que o diferencia das demais estruturas espaciais. Sendo assim, por esta particular característica, uma vez na presença deste espaço marcado, o lócus, pode-se experimentar a memória e a reconhecibilidade (Xavier, 2001).

O conceito de "topia" para Rossi é o espaço do reconhecimento. E como a própria construção da palavra – reconhecer – indica um conhecimento através da memória. Rememorar-se, no entanto, não é somente a reincidência de experiências pessoais isoladas; para Rossi, a memória do lugar é o resultado de sobreposições das experiências individuais e coletivas, onde se acomodam signos do arbítrio e da tradição. A idéia de uma estrutura permanente (Xavier, op. cit). Este apego ao processo histórico na constituição desta estrutura, demonstra a identificação de um estado de luto.

O percurso de Peter Eisenman é a crítica da composição enquanto prática pacificadora. Mas esta negação incessante do sujeito, não renega a vontade afirmativa da construção. Eiseman propõe o “entre” que é semelhante ao limiar (umbral, passagem) da antropologia que se coloca como uma região de experimentações culturais entre antagônicos ou diferentes. O que é uma abertura para o novo, rejeitar ressentimentos, ir em frente.

“O que é o “entre” em arquitetura? Se arquitetura normalmente determina o lugar, então “estar entre” significa estar entre algum e nenhum lugar. [...]. A lição do Modernismo sugere [...] que novos “topos” devem ser encontrados explorando a inevitável atopia do presente que está não na nostalgia estetizada do banal, mas sim naquilo que existe entre o topos e a atopia. Para que esse processo se concretize, o modo pelo qual o significado é expresso deve ser examinado criticamente”. (Einseman, 1993)

Atopia é um “habitáculo à deriva”, um percurso rumo ao “não-lugar”, rumo à própria impossibilidade de fixação num único sentido. O sujeito difratado em sua relação com as coisas não tem conflito, apenas adere ou não (Roland Barthes apud. Colombo, 1991).
A memória é conservadora e requer a gestão, exprime a continuação, enquanto que para o novo é preciso ação. Contudo, Hannah Arendt adverte que as palavras ação e gestão têm uma raiz comum, indicam conduzir e governar, levar a cabo alguma coisa. Não contradições extremas entre memória e utopia, entre ação e gestão.

 

Crítica crise-dialética-síntese / corrupção–esfacelamento-consumo-degeneração
Atualmente, não se encaixa perfeitamente a problemática da crítica como desdobramento, acabamento da obra e a problemática da crítica como crise. Esta crítica destacava a obra do “mundo ordinário”, tanto espacial e quanto temporal desdobrando-a em texto ou ícone. Talvez não haja disponibilidade do tempo necessário para o processo, de firmar uma referência no mundo em que o consumo tornou-se o motor. O consumo não guarda e nem retém, pelo contrário consome e é consumido, sendo transição, tem reduzida capacidade de comunicação.

No consumo desenfreado, as coisas que “não tem paz”. Acumulação, desperdício, usura, a capacidade desmesurada de estocagem de dados, que são, porém, ignorados na falta de tempo de consulta. O que significaria este aspecto esquecimento, estocagem? Deleuze e Guattari (2002) falam que na estocagem não há desejo de troca.

Para se constituir obras, bens que formam o mundo e indicam sua “humanidade” é necessária a duração. Pois, de acordo com Walter Benjamin, é o tédio que “choca o ovo da experiência”.

A capacidade incomensurável de produção de suportes acalenta os otimistas com a possibilidade de ampliação da consciência e do pensamento deixar de ser uma experiência inteiramente interna, interagindo mais com outros meios e pessoas. Mas, por outro lado, também adverte para a cautela. Mal-entendidos, pirataria, interpretações mal intencionadas, há sempre a ocasião de criarem-se passados para as culturas carentes de historicidade: as tradições inventadas.

A questão da corrupção captada na globalização, quer dizer, o esfacelamento das certezas e dos objetos tanto no mundo das ciências, quanto da arte e da vida, impede o exercício da faculdade de julgar tal como foi pensada por Imanuel Kant. Desde o século XVIII, a arte foi uma finalidade sem fim e arquitetura uma arte funcional, um tanto fora do campo do juízo do belo, que significava a predominância do sentimento do homem diante do objeto estético. Hoje na sociedade do espetáculo, o sentimento é de deslumbramento, no qual o sujeito desaparece, pois não pensa nem sente. A arquitetura do espetáculo é grandiosa, tecnológica, fria, não aceita rastros nem impressões táteis ou pessoais, não é possível sentir-se, nestes ambientes, como se estivesse em casa, vários obstáculos e mecanismos de vigilância impedem.
O próprio ato de julgar não tem o mesmo valor, como diz Gilles Deleuze (1998), é melhor ser um varredor que um juiz. Propõe-se achar ao invés de regular e julgar. Não há mais autoridade com poder e consistência para enunciar novas regras. O drama do autor se realiza.

Para Giulio Carlo Argan, projetar é um contínuo exercício de uma crítica sobre a existência; estabelecendo a relação entre desejo, memória, crítica, ideologia e previsão do futuro constituinte do projeto. Argan adverte sobre o problema da responsabilidade do ato de projetar. Habita-se um mundo legado por gerações anteriores, marcado pela materialidade e gravidade. Esta duração, diz respeito às obras que formam o mundo que, em suma, é o tempo convertido em espaço, tempo no qual nos inscrevemos em busca de substância e abrigo (Guérin, 1995). O que se embate, diretamente, ao outro dilema que vem das novas tecnologias da informação e comunicação, que geram impacto sobre o mundo material e da gravidade da arquitetura e das cidades. Pois, as novas tecnologias têm criado ambientes dominados pelo movimento e deslocamento, e a arquitetura é a disciplina que encontra maior dificuldade em se deslocar, simplesmente porque o que caracteriza sua atividade é “locar”, como diz Peter Einseman.

Contudo, a arquitetura persiste com sua arche (fundamento), articulando significados de "comando", o lugar de onde a ordem é dada (Derrida, 2001) e princípios de "valor comum e social". Segundo Carlos Brandão, é importante ressaltar esta origem etimológica: pois ensina que qualquer que seja a obra, é uma obra pública. Além disso, para ele, a arquitetura é um “instrumento pedagógico”, celebra a história coletiva, a memória e o universo ético ao qual se pertence.

O lado tectônico da arquitetura, a techné, diz respeito ao seu modo de produção; à construção arquitetônica que é extremamente material, ligada à gravidade e ao local. A predominância dos novos meios de comunicação atinge este estatuto material, transforma os deslocamentos e as formas de habitar. Pois, as redes invisíveis, voláteis e o tempo instantâneo prescindem da presença física, das distâncias, do lugar.

A condição de manufatura e de objeto da arquitetura determina o “impacto da realidade” (Arendt, 1994) que é sentido e recebido como “força condicionante” da existência humana. Disso advém o sentido da objetividade do mundo, como parte da “condição humana”. O homem não consegue viver sem o domo, sem vida privada, isto é totalmente na esfera pública (Serres, 1994).

O que permite refletir sobre termos habituais como doméstico, moradia e propriedade. A partir dos termos do latim téctum, 'cobertura de casa, telhado', donde 'teto' e, por.extensão, 'abrigo, casa'. domus, 'casa, habitação, família, pátria', o latim moráre 'demorar-se, ficar, morar, viver com'. E propriedade, ligado ao adjetivo latino proprius, significando 'próprio, particular', formado de prope 'perto ou próximo de algo'; depois, torna-se qualidade especial, além de designar pertença.

 

As novas tecnologias de informação e de comunicação
O vazio onde ocorrem os novos meios de comunicação compõe uma rede invisível, que dissolve antigas fronteiras e as questões do lugar: onde se situa o que, transformando os deslocamentos e as formar de habitar. O elemento fluinte urde o local e o global do sólido ao volátil, ressurgem os anjos, como mensageiros. (Serres, 1994). As imagens de anjos dos anos 1980-90 foram sintomas da imaterialidade das novas tecnologias da informação e comunicação, como no filme de Win Wenders, Asas do Desejo, e no seu remake, Cidades dos Anjos.

Michel Serres lembra que as trocas imateriais, virtuais possibilitadas pelas novas tecnologias da informação e da comunicação remetem a esta retomada dos anjos, do deus Hermes deus mensageiro e da leveza, uma das propostas para a literatura para este milênio de Ítalo Calvino.

O que pensar e como agir quando a comunicação extrapola as antigas “rotas das peregrinações”? Quando pode-se deslocar-se sem sair do lugar (Serres, 1994), quando o tempo prescinde do lugar? Para um arquiteto estas perguntas têm sérias conseqüências.

 

O trabalho flexível e imaterial
O enxugamento do número de trabalhadores que solicita desempenho de múltiplas tarefas, centrado na competência, constante aprendizado, delineado pelo novo arranjo produtivo capitalista colocou a arquitetura em cheque. As comutações financeiras, as de dados, as comunicativas entre outras coisas por sua ênfase na velocidade, tempo real, pelos efeitos de compressão do espaço-tempo prescindem do espaço material.

A arquitetura tem estado em apuros depois da telemática e da globalização. Com o domínio da ciência do movimento (a logística), o peso dos lugares na produção, na circulação e no consumo “parece” ter se reduzido. Em contrapartida, o modelo de produção mundial, disperso que está emergindo, ultrapassa os limites da fábrica, usando toda cidade (o mundo inteiro), como organismo cooperativo, interativo, acumulativo, vivo. No entanto, poucas são as cidades que podem obter um retorno econômico desta “vampiragem”, até positiva para a vitalidade dos espaços urbanos em grande parte dos aspectos.

Paul Virilio (1993) chegou a dizer que a arquitetura tornou-se uma disciplina decadente. A “não cidade” que aparece fragmentada e dispersa, lotada de espaços vigiados tipo container, que exigem protocolos de entrada deve ser estudada e confrontada. Sempre haverá necessidade de habitar, circular, viver, problemas bem reais, e ainda há demanda de alguém que tome este desígnio a seu cargo. É uma tarefa intransferível, detectar os problemas e dificuldades, impostos pelas novas circunstâncias do mundo da produção, do trabalho e das relações sociais. A dinâmica dos acontecimentos não admite respostas prontas, nem manuais de instrução.

 

Habitantes e arquitetos em situação ondulatória
Permanece o velho dilema da arquitetura o arquiteto faz obras para outros habitantes. Porém estão ocorrendo mudanças comportamentais, às quais se deve ficar atento. Paul Virilio fala do homem imóvel, vidrado da interface da tela e da necessidade política de se pensar a “lei do menor esforço”. Bauman (1998) fala das distâncias cada vez mais sociais, do movimento restrito dos excluídos numa sociedade que se diz do movimento e da velocidade, refere-se aos protocolos de segurança e as senhas de acesso tanto em portais reais quanto virtuais. Deleuze (1992) refere que o homem moderno disciplinado, com determinado padrão de gosto, foi substituído pelo homem endividado, enredado. O flanêur foi substituído pelo homem que adapta sua percepção do zapping, ou seja, de imagens intermitentes. O morador da cidade que se vai projetar. Fragmento do texto a sociedade do controle, Gilles Deleuze (1992):

“Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se termina nada, a empresa, a formação, o serviço [...]. São uma moratória ilimitada [...]. As sociedades disciplinares têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. [...] é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individuante. [...]
Nas sociedades de controle, ao contrário, o essencial não é mais uma assinatura e nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma senha [...].
O homem da disciplina era um produtor descontínuo de energia, mas o homem do controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe contínuo. Por toda parte o surf já substituiu os antigos esportes”.

O surfista é uma figura interessante porque tem que saber interpretar a onda senão não poderá usufruí-la. Tanto os habitantes quanto os arquitetos estão na situação ondulatória, adquirir a senha é poder participar dela e contraindo as dívidas impostas pelo enredamento do qual não se pode escapar. Pois, não há mais terra incógnita e limites fixos. O planeta e o sistema solar foram tomados, nenhuma porção da terra está livre do controle dos GPS, do mercado e dos impostos. Os mapas estão sob o domínio do circuito de segurança do Big Brother, mas há zonas autônomas abertas, segundo Hakin Bay, elas deslocam-se todo o tempo para ficarem invisíveis à cartografia do controle.

 

Fontes

- ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995
- ARGAN, Giulio Carlo. A história na metodologia do projeto. São Paulo. Revista Caramelo. FAUUSP, 1994
- BAUMAN, Zygmund. Globalização, as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999
- BENJAMIN, Walter. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
- BEY, Hakim. TAZ, Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad Livros, 2001
- CALVINO, ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990
- CASTELLS, Manuel. A Sociedade em redes. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
- COLOMBO, Fausto. Arquivos imperfeitos. São Paulo: Perspectiva, 1991
- DACHEVSKY, Marcelo. Urban Zapping. Ciudades, productos y marcas. Barcelona: UPC, 2001
- DELEUZE, Gilles & GUATARRI, Felix. Mil Platôs. Vol 5. Rio de janeiro: Ed. 34. 2002
- DELEUZE, Gilles & PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998
- DELEUZE, Gilles. Sobre as sociedades de controle post scriptum. In. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 219-226
- DERRIDA, Jacques. Mal de Arquivo. Rio de Janeiro: Dumará, 2001
- EINSEMAN, Peter. Blue text line. São Paulo. Revista Arquitetura e Urbansimo, n. 47, abril-maio, 1993
- GUERIN, Michel. O que é uma obra. São Paulo: Paz e Terra, 1995
- HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da Língua portuguesa. Editora Objetiva.
- http://www.vitruvius.com.br/
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- JAMESON, Frederic. Espaço e Imagem. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995
- MATOS, Olgária. Os arcanos do inteiramente outro. São Paulo: Brasiliense, 1989.
- MENDONÇA, Denise Xavier. Rossi e Eisenman... Freud explica!
- ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989, p.15-16; 66-72
- SERRES, Michel. Atlas. Lisboa: Instituto Piaget, 1994
- TELLES, Sophia da Silva. Crítica de Arquitetura. São Paulo. Revista Projeto. N. 181. pp. 87-88, dez. 1994
- VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995

 

Notas

1 - Texto apresentado no dia 30.03.2004.

2 - Professora no Departamento de Arquitetura e Urbanismo Car/UFES.