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PASSEIO PELA “PASSAGEM” DE CLAUDIA RENAULT

CLAUDIA RENAULT
Galeria de Arte e Pesquisa / UFES, Vitória-ES
20 de novembro a 19 de dezembro de 2002

 

O QUE FOI EXIBIDO

A galeria tem a forma de um setor circular. A ampla entrada está situada no círculo de menor raio e de maior curvatura. O piso e as paredes são de cores claras, o teto é do tipo colmeiado, cheio de alvéolos, é todo pintado de preto e há muitas lâmpadas distribuídas pelo mesmo.

No piso, organizadas numa forma radial, indicando direções que vão da entrada para o fundo da galeria, estão os elementos principais da instalação, não formam uma linha contínua. Na parede do fundo da galeria, situados na vertical, mas fazendo uma certa angulação com a vertical da parede, estão outros elementos quase idênticos.

Os objetos do piso são 19 e os verticais são 6. Todos são constituídos de uma caixa metálica de aço galvanizado, medindo 200 x 40,5 x 6,5 cm. Dezoito não apresentam tampa, os demais apresentam um fechamento total com lâminas de vidro cristal. As caixas foram moldadas e tiveram suas arestas soldadas com solda branca, constituindo um reservatório estanque para líquidos.

Os dezoito elementos sem tampa, e um com fechamento em vidro, estão na horizontal, todos estão cheios de água quase até a borda. No fundo das caixas metálicas estão, mergulhados na água, dois tipos distintos de materiais: os folheados de placas de madeira do tipo compensado, já usados e, em estado de despegamento, as lâminas foram retiradas de tapumes colocados por um tempo prolongado às intempéries. Seus formatos são diversos, em geral são tiras longas e sem forma definida, algumas são mais largas, umas estão coladas aos fundos das caixas que as contêm, outras estão simplesmente imersas na água e apresentam ondulações e flambagens. As cores das lâminas são variadas, indo do marrom, passando pelo cinza e chegando aos esbranquiçados. O outro material é o vidro. Em algumas caixas há tiras de vidro entre as tiras de lâminas de compensado, estas apresentam espessuras médias e podem ser de vidro cristal ou do levemente esverdeado. As águas das caixas têm colorações distintas, as que contêm poucas lâminas de madeira estão bastante cristalinas, já as que contêm uma quantidade maior de madeira estão sendo coloridas pela liberação de substâncias químicas da madeira, apresentam cor âmbar, que vai do fraco ao médio.

As caixas que não contêm água apresentam duas lâminas de vidro cristal, uma paralela ao fundo da caixa, situada a aproximadamente 3 cm do fundo e a outra de fechamento, como se fosse uma tampa. Tanto o fundo destas caixas como as lâminas de vidro intermediárias podem estar decoradas com os mesmos elementos utilizados nas demais caixas.

A claridade que vem da ampla porta da entrada e, as lâmpadas acesas no teto da galeria, fazem as caixas emitirem reflexos em todas as direções, estes variam com a posição do observador, algumas apresentam superfície espelhada que reflete parte do ambiente ou até mesmo dos espectadores. Esta é a constituição da instalação denominada PASSAGEM, da artista mineira Claudia Renault exposta na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES.

O movimento do ar, bem como poeiras em suspensão que se precipitam nas superfícies das caixas, fazem com que a superfície da água se apresente sob distintas formas, dependendo desta estar completamente parada ou em pequenas ondulações provocada pela brisa que se adentra pelas portas abertas da galeria.

Pelos elementos utilizados na instalação pode-se classificá-la como pertencente à categoria da Arte Povera (arte pobre), desenvolvida, e assim denominada, pelos italianos que no início do século XX, utilizavam materiais reciclados para elaborar obras de arte, movimento artístico que depois se difundiu ao redor do globo e foi bastante marcante nos Estados Unidos da América do Norte.

 

PRIMEIRA IMPRESSÃO

A primeira impressão foi a de que os elementos, componentes da instalação, estavam geometricamente mal distribuídos, pois não havia lido o título do trabalho, título este que só mais tarde vim a observar.

Achei que os elementos foram bem elaborados e diversificados. Notei os diferentes reflexos e as distintas colorações que deles emanavam. Não gostei da distribuição geométrica, pois me pareceu estarem muito distanciados uns dos outros, bem como indicavam direções diversas a seguir, embora todas num mesmo sentido. Pensei: “teriam um visual melhor se alguns tivessem sido alinhados ao longo do eixo central da porta de entrada da galeria para o fundo da mesma e, se outros tivessem sido colocados na direção transversal, como pedras de um dominó”, posto que eles eram retangulares e distintos entre si, além do mais os espaços existentes pareciam exagerados, deveriam ser diminuídos, concentrando os elementos.

Passei em seguida a examinar, com maior curiosidade, os diferentes elementos, observando-os, como se necessário fosse escrever, sobre o que ali estava, um relatório técnico, anotando o que de mais importante havia para registrar, gerando o item “o que foi exibido”, do início deste “passeio pela passagem”.

 

IDENTIFICANDO E SENTINDO

No terceiro contato com a instalação é que apareceu a sensação, o tempo passa, a imaginação dá passos e me conduzem para a PASSAGEM, o título do trabalho criado por Claudia ali está, escrito na parede, com letras bem formais e claras, à direita, no fundo da galeria. Seu conhecimento é uma passagem para a outra dimensão do meu pensamento bem como para minha percepção da obra exposta, ele muda minha concepção, faz a mesma dar um passo adiante, avançar. Abre uma passagem para a lógica e a poesia, bem como para a reflexão sobre os reflexos, em suas lâminas, de água e de vidro, meu pensamento mergulha.

Começo a seguir as direções dos elementos e vejo que do plano horizontal do piso da galeria sou conduzido ao plano vertical do fundo da mesma; criam realmente uma passagem de um plano horizontal para um plano vertical, bem como do passado para o presente e, por que não? Para o futuro. São bem: elaborados, imaginados, executados e distribuídos; combinam o metal, seu brilho, sua textura, sua estanqueidade, sua força e sua planura; tudo numa caixa longa, baixa e estreita, que confina o que? Água e ar – elementos vitais, onde estão enclausurados restos de madeira e de vidro. A madeira, este fruto da natureza, representando o que passa, o tempo, o perecível, aquilo que tem um ciclo vital que nasce, se transforma ou é transformada, que foi utilizada, e, que, agora, se desfaz, enfim, que passa, em contraposição à sua falta de brilho está o vidro, artificial, criado pelo homem, quase eterno, como o próprio sonho do homem para a eternidade, em contraste com a madeira este apresenta um intenso brilho e pretende ser eterno.

Ali estão as lâminas, de compensado de madeira, desfolhadas e imersas em água, entrando na última fase da passagem da sua existência, vão liberando vagarosamente partículas na água onde estão em infusão, em maceração e em decomposição, transmutam do sólido para o líquido, da falta de brilho para o brilho dinâmico da água onde estão imersas, como se num grito de desespero, antes de passarem de um estado para outro, emitem luz de diversas tonalidades.

Olhando aquelas lâminas de madeiras diversas, de diferentes cores, umas planas e outras onduladas, umas estreitas e outras mais largas, de diferentes tamanhos, mergulhadas, ora em águas claras, ora em águas amareladas, recordo meu passado em uma fazenda, assento na barranca de um rio, lanço o anzol na esperança de um peixe, enquanto se espera pela sorte, se observa a passagem do rio, e das suas águas, ora tranqüilas e ora revoltas, como a própria passagem da vida - a correnteza traz folhas e galhos que vão sendo revolvidos num jogo de esconde-esconde, de sobe-e-desce que parece nossas próprias reminiscências do passado, às vezes bem à tona e bem claras, às vezes desbotadas, quase difusas, lá no fundo, com uma cor indefinida, quase uma sombra, às vezes grandes e outras pequenas; às vezes sonhos às vezes realidades, passagens, passagens e nada mais.

 

COMO VEJO A PASSAGEM

Passo pela PASSAGEM.
Quem passa quer PASSAGEM.
Passa-se com medo ou com coragem,
Cada passo é uma PASSAGEM.
Passa-se com passo ou com passada.
A madeira está passada,
sua cor é a da passa,
e esta, para a água passa;
parece assinando um passaporte
para uma viagem para a morte.
Não deixa de passar pelo pensamento
Mesmo que por um momento,
A lembrança de um passamento.
Para passar por esta PASSAGEM
não é necessário ter passe,
nem estender passadeira,
basta pensar em passatempo
ou em fazer um passeio,
passeio pela PASSAGEM,
pois quem de nós não passa
em passos, ou em passadas, por um passadismo?
pois todos somos passageiros
vindo de um passado;
alguns vêm passo a passo
outros em grandes passadas,
mas todos nós passamos
por uma PASSAGEM
que não é um passadiço,
nem mesmo uma passarela,
também não é passageiro,
pois assim como nesta PASSAGEM
a madeira está passando,
nós olhando a PASSAGEM
passo a passo, ou em passadas,
passaremos ao passamento.

Dante José de Araújo
dante@npd.ufes.br