|
Editorial
Miro Soares
Críticas
Miro Soares 1
Miro Soares 2
Daniel R. Coes
Dante José de Araújo
1
Dante José de Araújo
2
Djenane Soares Alves
Edileuza Penha de Souza
1
Edileuza Penha de Souza
2
Antônio Eugênio
P. de Castro
Jaqueline do Nascimento
Juliana de Souza Silva
1
Juliana de Souza Silva
2
Marco Antonio Oliva
Maria Helena/Maria do Carmo
Rubiane Maia
Sonia Maria Cabral Quinamo
|
|
PASSEIO PELA “PASSAGEM” DE CLAUDIA
RENAULT
CLAUDIA RENAULT
Galeria de Arte e Pesquisa / UFES, Vitória-ES
20 de novembro a 19 de dezembro de 2002
O QUE FOI EXIBIDO
A galeria tem a forma de um setor circular. A ampla
entrada está situada no círculo de menor raio e de
maior curvatura. O piso e as paredes são de cores claras,
o teto é do tipo colmeiado, cheio de alvéolos, é
todo pintado de preto e há muitas lâmpadas distribuídas
pelo mesmo.
No piso, organizadas numa forma radial, indicando
direções que vão da entrada para o fundo da
galeria, estão os elementos principais da instalação,
não formam uma linha contínua. Na parede do fundo
da galeria, situados na vertical, mas fazendo uma certa angulação
com a vertical da parede, estão outros elementos quase idênticos.
Os objetos do piso são 19 e os verticais
são 6. Todos são constituídos de uma caixa
metálica de aço galvanizado, medindo 200 x 40,5 x
6,5 cm. Dezoito não apresentam tampa, os demais apresentam
um fechamento total com lâminas de vidro cristal. As caixas
foram moldadas e tiveram suas arestas soldadas com solda branca,
constituindo um reservatório estanque para líquidos.
Os dezoito elementos sem tampa, e um com fechamento
em vidro, estão na horizontal, todos estão cheios
de água quase até a borda. No fundo das caixas metálicas
estão, mergulhados na água, dois tipos distintos de
materiais: os folheados de placas de madeira do tipo compensado,
já usados e, em estado de despegamento, as lâminas
foram retiradas de tapumes colocados por um tempo prolongado às
intempéries. Seus formatos são diversos, em geral
são tiras longas e sem forma definida, algumas são
mais largas, umas estão coladas aos fundos das caixas que
as contêm, outras estão simplesmente imersas na água
e apresentam ondulações e flambagens. As cores das
lâminas são variadas, indo do marrom, passando pelo
cinza e chegando aos esbranquiçados. O outro material é
o vidro. Em algumas caixas há tiras de vidro entre as tiras
de lâminas de compensado, estas apresentam espessuras médias
e podem ser de vidro cristal ou do levemente esverdeado. As águas
das caixas têm colorações distintas, as que
contêm poucas lâminas de madeira estão bastante
cristalinas, já as que contêm uma quantidade maior
de madeira estão sendo coloridas pela liberação
de substâncias químicas da madeira, apresentam cor
âmbar, que vai do fraco ao médio.
As caixas que não contêm água
apresentam duas lâminas de vidro cristal, uma paralela ao
fundo da caixa, situada a aproximadamente 3 cm do fundo e a outra
de fechamento, como se fosse uma tampa. Tanto o fundo destas caixas
como as lâminas de vidro intermediárias podem estar
decoradas com os mesmos elementos utilizados nas demais caixas.
A claridade que vem da ampla porta da entrada e,
as lâmpadas acesas no teto da galeria, fazem as caixas emitirem
reflexos em todas as direções, estes variam com a
posição do observador, algumas apresentam superfície
espelhada que reflete parte do ambiente ou até mesmo dos
espectadores. Esta é a constituição da instalação
denominada PASSAGEM, da artista mineira Claudia Renault exposta
na Galeria de Arte e Pesquisa da UFES.
O movimento do ar, bem como poeiras em suspensão
que se precipitam nas superfícies das caixas, fazem com que
a superfície da água se apresente sob distintas formas,
dependendo desta estar completamente parada ou em pequenas ondulações
provocada pela brisa que se adentra pelas portas abertas da galeria.
Pelos elementos utilizados na instalação
pode-se classificá-la como pertencente à categoria
da Arte Povera (arte pobre), desenvolvida, e assim denominada, pelos
italianos que no início do século XX, utilizavam materiais
reciclados para elaborar obras de arte, movimento artístico
que depois se difundiu ao redor do globo e foi bastante marcante
nos Estados Unidos da América do Norte.
PRIMEIRA IMPRESSÃO
A primeira impressão foi
a de que os elementos, componentes da instalação,
estavam geometricamente mal distribuídos, pois não
havia lido o título do trabalho, título este que só
mais tarde vim a observar.
Achei que os elementos foram bem elaborados e diversificados.
Notei os diferentes reflexos e as distintas colorações
que deles emanavam. Não gostei da distribuição
geométrica, pois me pareceu estarem muito distanciados uns
dos outros, bem como indicavam direções diversas a
seguir, embora todas num mesmo sentido. Pensei: “teriam um
visual melhor se alguns tivessem sido alinhados ao longo do eixo
central da porta de entrada da galeria para o fundo da mesma e,
se outros tivessem sido colocados na direção transversal,
como pedras de um dominó”, posto que eles eram retangulares
e distintos entre si, além do mais os espaços existentes
pareciam exagerados, deveriam ser diminuídos, concentrando
os elementos.
Passei em seguida a examinar, com maior curiosidade,
os diferentes elementos, observando-os, como se necessário
fosse escrever, sobre o que ali estava, um relatório técnico,
anotando o que de mais importante havia para registrar, gerando
o item “o que foi exibido”, do início deste “passeio
pela passagem”.
IDENTIFICANDO E SENTINDO
No terceiro contato com a instalação
é que apareceu a sensação, o tempo passa, a
imaginação dá passos e me conduzem para a PASSAGEM,
o título do trabalho criado por Claudia ali está,
escrito na parede, com letras bem formais e claras, à direita,
no fundo da galeria. Seu conhecimento é uma passagem para
a outra dimensão do meu pensamento bem como para minha percepção
da obra exposta, ele muda minha concepção, faz a mesma
dar um passo adiante, avançar. Abre uma passagem para a lógica
e a poesia, bem como para a reflexão sobre os reflexos, em
suas lâminas, de água e de vidro, meu pensamento mergulha.
Começo a seguir as direções
dos elementos e vejo que do plano horizontal do piso da galeria
sou conduzido ao plano vertical do fundo da mesma; criam realmente
uma passagem de um plano horizontal para um plano vertical, bem
como do passado para o presente e, por que não? Para o futuro.
São bem: elaborados, imaginados, executados e distribuídos;
combinam o metal, seu brilho, sua textura, sua estanqueidade, sua
força e sua planura; tudo numa caixa longa, baixa e estreita,
que confina o que? Água e ar – elementos vitais, onde
estão enclausurados restos de madeira e de vidro. A madeira,
este fruto da natureza, representando o que passa, o tempo, o perecível,
aquilo que tem um ciclo vital que nasce, se transforma ou é
transformada, que foi utilizada, e, que, agora, se desfaz, enfim,
que passa, em contraposição à sua falta de
brilho está o vidro, artificial, criado pelo homem, quase
eterno, como o próprio sonho do homem para a eternidade,
em contraste com a madeira este apresenta um intenso brilho e pretende
ser eterno.
Ali estão as lâminas, de compensado
de madeira, desfolhadas e imersas em água, entrando na última
fase da passagem da sua existência, vão liberando vagarosamente
partículas na água onde estão em infusão,
em maceração e em decomposição, transmutam
do sólido para o líquido, da falta de brilho para
o brilho dinâmico da água onde estão imersas,
como se num grito de desespero, antes de passarem de um estado para
outro, emitem luz de diversas tonalidades.
Olhando aquelas lâminas de madeiras diversas,
de diferentes cores, umas planas e outras onduladas, umas estreitas
e outras mais largas, de diferentes tamanhos, mergulhadas, ora em
águas claras, ora em águas amareladas, recordo meu
passado em uma fazenda, assento na barranca de um rio, lanço
o anzol na esperança de um peixe, enquanto se espera pela
sorte, se observa a passagem do rio, e das suas águas, ora
tranqüilas e ora revoltas, como a própria passagem da
vida - a correnteza traz folhas e galhos que vão sendo revolvidos
num jogo de esconde-esconde, de sobe-e-desce que parece nossas próprias
reminiscências do passado, às vezes bem à tona
e bem claras, às vezes desbotadas, quase difusas, lá
no fundo, com uma cor indefinida, quase uma sombra, às vezes
grandes e outras pequenas; às vezes sonhos às vezes
realidades, passagens, passagens e nada mais.
COMO VEJO A PASSAGEM
Passo pela PASSAGEM.
Quem passa quer PASSAGEM.
Passa-se com medo ou com coragem,
Cada passo é uma PASSAGEM.
Passa-se com passo ou com passada.
A madeira está passada,
sua cor é a da passa,
e esta, para a água passa;
parece assinando um passaporte
para uma viagem para a morte.
Não deixa de passar pelo pensamento
Mesmo que por um momento,
A lembrança de um passamento.
Para passar por esta PASSAGEM
não é necessário ter passe,
nem estender passadeira,
basta pensar em passatempo
ou em fazer um passeio,
passeio pela PASSAGEM,
pois quem de nós não passa
em passos, ou em passadas, por um passadismo?
pois todos somos passageiros
vindo de um passado;
alguns vêm passo a passo
outros em grandes passadas,
mas todos nós passamos
por uma PASSAGEM
que não é um passadiço,
nem mesmo uma passarela,
também não é passageiro,
pois assim como nesta PASSAGEM
a madeira está passando,
nós olhando a PASSAGEM
passo a passo, ou em passadas,
passaremos ao passamento.
Dante José
de Araújo
dante@npd.ufes.br
|
|