|
Apresentação
Kleber
Frizzera
Pequena história do Tempo
de Crítica
William Golino
Crítica dos artistas
Attílio Colnago
Augusto Alvarenga
Bernadette Rubim
Eduardo Cozendey
Emílio Aceti
Irineu Ribeiro
José Cirillo
Joyce Brandão
Júlio Tigre
Lincoln G. Dias
Norton Dantas
Orlando Rosa Farya
|
|
BONS TEMPOS
Tempo de Crítica é mais
que fundamental, é necessário!
principalmente nesses tempos bicudos, tempos de pouca crítica,
diria mesmo, de pouquíssima crítica.
Fundamental e necessário: é o que diria também
Nelson Rodrigues,
se vivo e entre nós, de lábio trêmulo e olho
rútilo,
com a mão sacudindo a revista na cara do interlocutor.
A escola de artes plásticas da UFES, mesmo
tendo já comemorado o seu cinqüentenário, possui
uma produção intelectual relativamente pequena. Mesmo
a produção existente – inegável, sem
dúvida – é de pouca visibilidade. Em parte por
apresentar-se nos formatos, por vezes enfadonhos, de teses, dissertações
e monografias e também por estar dispersa em periódicos
e anais de congressos. Mas faltam, sobretudo, estratégias
que estimulem a produção coletiva e local associada
ao debate freqüente envolvendo alunos e professores. Com isso,
conseguiríamos não só a tal da visibilidade:
teríamos também um ambiente acadêmico mais dinâmico,
uma vida intelectual mais pulsante. Tempo de Crítica vem
justamente preencher essa lacuna ao propor a produção
intelectual socializada com imediata divulgação dos
resultados. Faz da sala de aula um espaço privilegiado de
pensamento que procura refletir sobre a própria escola ao
examinar a sua produção artística. Há
muito que essa produção vem dialogando com ela mesma,
sem o apoio de textos críticos que a reelaborem e produzam
pensamento a partir dela. Tempo de Crítica vem preencher
também esse espaço. Trata-se de uma iniciativa corajosa
e renovadora a convidar todos para um debate amplo e aberto.
Os textos desse primeiro número – esperamos
que venham muitos outros – partem do pressuposto simples segundo
o qual o “significado” da obra de arte não se
dá a perceber de imediato. É preciso, para chegar
até ele, um trabalho analítico rigoroso, ao mesmo
tempo crítico e criativo. Daí, talvez, derive a idéia
de crítica implícita nesses textos: a proposição
de uma atitude mental atenta e penetrante, que não se contenta
com as primeiras impressões, disposta a colocar o objeto
de investigação “em crise”, o que significa
implodir as “certezas” a priori sobre ele para melhor
poder sentir e compreender seus enredamentos internos e suas relações
com o espectador e com o entorno. Não é à-toa,
portanto, que eles não se ocupam de fazer julgamentos de
valor das obras que examinam, juízos estes que estão
no núcleo de uma certa visão do senso comum do que
seja “crítica de arte”. Diferente disso, os textos
de Tempo de Crítica apresentam-se como análises ou
tentativas de compreensão, exercícios do olhar e do
intelecto que, com rigoroso senso de observação e
síntese, buscam mostrar a inteligibilidade do objeto artístico.
Quase todos os textos, na abordagem das obras, adotam
inicialmente uma atitude aparentemente despojada de pressupostos
metodológicos. Digo “aparentemente” porque a
simples opção por esse despojamento já é,
em si mesma, uma postura metodológica. Nesta atitude, o crítico
coloca-se em contato com a obra e busca descrever de maneira “simples
e direta” o que nela “objetivamente” se vê.
Em seguida, os dados obtidos na descrição são
articulados entre si e investidos de significado. Vai-se assim do
concreto ao abstrato, do dado sensorial à construção
cognitiva. Tanto a escolha dos dados considerados válidos
para a descrição da obra quanto o seu investimento
de significação faz-se segundo aproximações
heurísticas no mais das vezes assumidas no próprio
instante mesmo de contato com a obra e da construção
do texto crítico. Daí reside, em grande parte, o vigor
criativo e intelectual desses textos regidos sobretudo pelo respeito
às obras que criticam a despeito dos referenciais históricos
e teóricos dos quais também se valem.
Cada texto tem o seu próprio modo de atribuir
sentido à obra que escolheu criticar. Penso poder dividi-los
em dois grandes grupos: o primeiro reúne os trabalhos que
optaram por aprofundar o exame das relações internas
por eles apontadas nas próprias obras. No segundo estão
os trabalhos que enfatizam preferencialmente certas relações
entre a obra em questão e um dado contexto. Entre os textos
do primeiro grupo, há aqueles que remontam a uma relação
pré-existente entre elementos da obra e conteúdos
simbólicos. É o caso, por exemplo, do vermelho associado
à paixão e do repolho associado ao útero na
pintura de Attílio Colnago segundo texto de Carlos Wagner
B. Santana, João Manuel Saavedra, Kelly Rastoldo Costa, Laerte
Tavares, Leonardo Rodrigues Passos, Maria do Socorro Poleti e Tatiana
Lugon Rodrigues. Algo semelhante acontece no texto de Julieta M.
de Barros Michelini e Vanessa Aparecida Oliveira que associa o significado
da vida à disposição dos fios dos novelos no
trabalho de Nelma Pezzin. Vemos um outro raciocínio no texto
de Aroldo Fontes Lopes e Paola Gomes Trindade sobre o trabalho de
Regina Rodrigues: aqui, o significado aparece não a partir
de uma relação simbólica mas de uma relação
de semelhança formal. Assim, os pequenos cilindros de argila
são associados a segmentos de reta, gravetos e livrinhos
de mensagens bíblicas. O fato de estarem numa vitrina é
associado a experiências guardadas na memória assim
como chips em um banco de dados. Alguns textos valem-se de imagens
metafóricas na tentativa de reconstruir neles mesmos os efeitos
poéticos da obra. Exemplifico com o trabalho de Ledimar Corrêa
R. de Souza e Sabrina Santana Lopes sobre a pintura de Bernadette
Rubim. Há também os textos que mostram uma argumentação
centrada na figura do artista. Estes afirmam a coerência da
obra ao apontar uma certa adequação entre ela e o
estilo, intenções e/ou histórico pessoal do
próprio artista. É o caso dos trabalhos de Jacqueline
do Nascimento sobre a pintura de Emílio Aceti, de Abinair
Callegari, Alcielli Catane, Fernanda Borba, Mária Rúbia
Ferreira, Rosimary Rocha Santos, Schirley Amaral e Valdelene Carvalho
sobre a obra de José Cirilo e de Maria Helena Figueiredo
Soares e Maria do Carmo Bazani sobre a obra de Júlio Tigre.
Examinemos agora os textos do segundo grupo: alguns,
após a descrição das obras, procuram situá-las
em algum estilo ou movimento histórico, não deixando,
por isso, de reconhecer a singularidade de tais trabalhos. Exemplifico
com os trabalhos de Aroldo Fontes Lopes e Paola Gomes Trindade sobre
a obra de Eduardo Cozendey, de Aline Pippa Fernandes, Desirée
Devos Martin, Jacqueline Lemos S. Pompermaiyer, Jeovana Nascimento
Olindino, Juliana Hackbart A. dos Santos e Paola Gomes Trindade
sobre a pintura de Emílio Aceti e de Dayse Resende, Edileuza
Penha de Souza e Vanessa B! sobre a pintura de Lincoln G. Dias.
Há também os textos que situam a obra analisada no
quadro de alguma grande questão estética: é
o caso, por exemplo, do trabalho de Rafaela Zanete Rasseli que associa
o palimpsexto de Didico ao hibridismo de linguagens e à ampliação
do conceito de desenho, do texto de Juliana de Souza Silva que fala
do modo como a obra de Joyce Brandão convoca do observador
uma atitude perceptiva particular. Alguns textos trabalham a partir
de explanações históricas ou teóricas
mais gerais que buscam, antes de abordar a obra em questão,
apresentar um quadro histórico ou conceitual onde tal obra
se inscreve. É o caso do trabalho de Kelly Martinelli que
aborda um projeto arquitetônico de Augusto Alvarenga pela
via de uma bela reflexão sobre o estatuto do arquiteto e
do texto de Francinardo L. de Oliveira e Magda Sistoli Vieira que,
na crítica à obra de Eduardo Cozendey, discutem o
ambiente artístico no estado do Espírito Santo.
Faço questão de dizer que essas minhas
observações sobre os textos nada têm a ver com
juízos de valor, assim como eles mesmos procuram fazer com
as obras de arte que escolheram analisar. São, na verdade,
tentativas de compreender os raciocínios, voluntários
ou não, que nortearam a construção desses textos.
O que interessa é somente apontar a diversidade de caminhos
analíticos – todos legítimos – que podem
ser adotados no exercício heurístico de “ler”
o objeto de arte. Convém dizer também que não
tenho, com essas observações, nenhuma pretensão
de exaustividade, quer dizer, há nesses textos uma riqueza
maior e mais sutil que escapa aos apontamentos um tanto esquemáticos
que acabo de fazer. Essa riqueza com freqüência se manifesta
num “jeito de narrar”, num certo estilo de prosa fluido
e saboroso onde encontramos freqüentemente o humor e um intimismo
corajoso. Cito como exemplo deste último caso o texto de
Sandra Regina do Amaral sobre o trabalho de Emílio Aceti.
Por fim, quero dizer algumas palavras sobre o texto
que Dayse Resende, Edileuza Penha de Souza e Vanessa B! escreveram
sobre a minha pintura: em primeiro lugar, que tive uma sensação
muito boa ao ver o meu trabalho comentado. Isso dá a impressão
de que a obra está viva e se comunicando, confirma nossa
convicção de que vivemos no mesmo planeta. O texto
foi também capaz de mostrar, além da relação
com a action painting, alguns dos aspectos fundamentais que regem
a obra: uma certa aceitação do acaso, a incorporação
de acidentes e a busca por um controle do processo de feitura. Particularmente,
interpreto o fato das autoras colocarem a palavra acaso entre aspas
como significando não se tratar exatamente de acaso e sim
de uma certa premeditação do mesmo, o que esvazia
o seu suposto conteúdo “casual”. Um beijo para
vocês!
No mais, Tempo de Crítica é um trabalho
de fôlego, sem dúvida levado a cabo graças ao
entusiasmo e à fé dos participantes num projeto que,
a despeito das injunções de sala de aula, exige uma
adesão voluntária. Sem esse entusiasmo decerto não
seria possível vencer a estreiteza dos prazos, a penúria
material que nos assola e as dificuldades de manter reunido um grande
elenco. O resultado é um belo exercício de construção
poética, um trabalho da maior importância, feito com
muita dignidade.
Lincoln G. Dias
|
|