|
Apresentação
Kleber
Frizzera
Pequena história do Tempo
de Crítica
William Golino
Crítica dos artistas:
Attílio Colnago
Augusto Alvarenga
Bernadette Rubim
Eduardo Cozendey
Emílio Aceti
Irineu Ribeiro
José Cirillo
Joyce Brandão
Júlio Tigre
Lincoln G. Dias
Norton Dantas
Orlando Rosa Farya
|
|
PEQUENA HISTÓRIA DO TEMPO DE CRÍTICA
Tempo
de Crítica1 começou
com minha necessidade de conhecer os estudantes de historiografia,
filosofia e crítica da arte, matriculados nas disciplinas
Teorias das Artes 1 e 2, do Centro de Artes da Ufes. Em nossas aulas
trabalhamos com seminários: formamos seis grupos de estudos
e cada grupo apresenta dois seminários no encadeamento geral
do curso, pois, para organizar o trabalho e seus resultados, tenho
(temos) que conhecer minimamente as pessoas com quem trabalho (trabalhamos).
Na primeira aula fiz uma exposição
inicial conforme o plano de curso. Levei, para a segunda, uma reprodução
fotográfica de obra de arte. Os estudantes tiveram uma hora
para escrever o que quisessem sobre a obra. Cada um leu o que escreveu
e discutimos os problemas apresentados. Neste começo o olhar
objetivo e científico já norteava nossa conversa:
numa das discussões, sobre uma serigrafia em que aparece
dominante uma cadeira elétrica com muitos vermelhos, uma
pessoa fez uma interpretação estranha a tudo e a todos,
dando o significado de amor e prazer para a imagem da serigrafia,
levando-nos a reagir contra sua interpretação. O sentimento
e a necessidade de objetividade para olhar o mundo e de contextualização
da obra de arte, já demonstrava, no não dito das reações,
que ciência e arte não têm objetos que possam
ser relativizados e que a explicação da obra de arte
passa pelo reconhecimento da realidade objetiva à qual se
integra. A partir da aula seguinte, essa estudante, como se fosse
outra pessoa contrária ao que tínhamos conhecido,
nos mostrou sua força em historiar com objetividade, associações
e análise crítica. Eu, às vezes, me pergunto
se ela, do seu prazer pela arte, não fez aquilo para destronar
qualquer delírio e dar chão para a fruição
artística.
Mas isso foi apenas o começo da busca desse
conhecimento.
Devido à minha necessidade de conhecer mais
o quê e como pensavam e sabiam sobre os objetos básicos
dos nossos estudos, nas aulas seguintes (25 e 26.07.2002) fomos
à Galeria de Arte e Pesquisa para ver e conversar sobre obras
de arte, na exposição comemorativa dos 50 anos do
Centro de Artes, na qual cada expositor apresentou uma obra (em
três casos foram duas peças de uma mesma estética
e plástica semelhante). Realizamos o mesmo tipo de trabalho
da aula anterior: agora feito pelos grupos, que escolheram quinze
obras entre as expostas e escreveram sobre elas e suas possíveis
relações; discutimos as questões apresentadas
e dei algumas sugestões para o desenvolvimento das reflexões.
Durante estas discussões propus que redigissem suas críticas
e as entregassem aos artistas que tiveram obras criticadas, porque
apenas um caderno de assinaturas, geralmente, não diz nada
além de números e é importante e necessário
que os artistas tenham conhecimento do modo como suas obras são
recebidas pelo conjunto social e, junto a isto, algumas expectativas
são correspondidas, por trabalharmos num coletivo que pensa
sobre a obra de arte. Nestes dias, a discussão foi encaminhada
com o objetivo de fazer um caderno de crítica que deveria
ser lançado durante a exposição. Disse aos
estudantes que o trabalho seria voluntário, sem os imperativos
acadêmicos de notas e freqüências. A inexistência
destes e a realização de uma obra teórica sobre
arte hoje desencadearam um processo ágil e ao mesmo tempo
seguro nas decisões e no interesse pela reflexão sobre
a obra de arte e pelo trabalho criativo e crítico.
Acertamos que cada grupo escreveria seu texto e
eu faria comentários para o aprofundamento e o esclarecimento
da complexidade das questões tratadas. A incorporação
ou não dos comentários foi conforme seus interesses
e necessidades, preservando suas identidades.
Os textos foram feitos a partir da pausa diante
da obra de arte, em oposição direta à ligeireza
pós-moderna; do tempo dedicado ao olhar voltado para a imagem,
sem reduções a outras modalidades artísticas
ou meios de comunicação; da observação
atenta, contrária à superficialidade desse nosso tempo
de resumos e aparente neutralidade; do pensar associado ao saber
e da formulação de outro saber sustentado pela crítica
de arte socializada e reflexiva. É um começo que pode
ser visto nos textos que incorporaram as diversidades individuais
em discursos unificados, aprimorando os modos de trabalhar em grupo
e reconhecendo a relevância dos seus significados para o desenvolvimento
social. Os textos com assinaturas individuais foram criados no interior
dessa relação.
A união desses fortes elementos é
a base para o movimento que os levou a escrever, pela primeira vez,
uma crítica de arte e publicá-la, desfazendo o mito
opressivo e cristalizador da necessidade inquestionável de
um infindável conhecimento geral anterior à realização
de qualquer tarefa e superando dialeticamente a equivocada idéia
de que tudo não passa de processo ininterrupto que impede
a conclusão de qualquer trabalho. Esses estudantes demonstraram
que a vida é mais forte que os pré-conceitos acadêmicos.
O formato final do caderno e o lançamento
foram decididos em reunião com os representantes dos grupos
no dia 11 de julho: fotografias, edição de texto,
encadernação, convites, coquetel, participação
financeira de cada autor e patrocínio tinham que ser resolvidos
logo, pois neste dia fomos informados pelo pessoal da galeria que
a exposição não seria prorrogada: terminaria
mesmo no dia 19 de julho. O tempo era curto para publicar o caderno
durante a exposição (no dia do lançamento ficamos
sabendo que a exposição seria prorrogada até
o final de agosto).
Três semanas depois das primeiras conversas,
publicamos Tempo de Crítica. 16 de julho de 2002 é
uma data especial para todos nós, porque é a conclusão
de uma relação intensa com a crítica de arte:
o primeiro caderno de críticas. Nele está o resultado
de anotações diárias, por isto eu o chamo de
caderno: comentários, notas, imagens, indicações
e reflexões.
Tudo muito rápido. O meu interesse inicial
em conhecer suas concepções sobre arte foi ampliado
e eu pude conhecê-los na fatura inteira da crítica.
Um trabalho que nasce com a marca da totalidade estampada em toda
a sua história: da relação de primeiros contatos
com a obra de arte até um caderno de críticas, reconhecidas
como esclarecimento parcial e provisório, dinâmico.
Como várias pessoas disseram, a iniciativa
é boa e, como somos inteiros, nossa iniciativa tem conteúdo.
Toda iniciativa refere-se a algo concreto formando um todo indissociável
com valores semelhantes, podendo ter em seus diversos elementos
a expressão de identidades diferentes dentro dos limites
do acordo estabelecido pelos autores da iniciativa. Integrar a iniciativa
a seus nomes, formas e conteúdos, estabelecendo a real e
justa relação entre o aparente e o interior, é
um dos nossos interesses. As críticas são boas, não
são homogêneas e nem pretendem cristalizar o que dizem
das obras: o caderno é uma obra dinâmica, sendo este
segundo número prova disto.
O exercício da crítica de arte, norteado pela análise
que articula o simbólico ao científico, permite-nos
participar da produção do mundo artístico analisando
as obras dos integrantes deste mundo e demonstrando que crítica,
em vez de destruição, é construção
da própria crítica e participa da produção
artística e da história da arte.
Este foi o primeiro exercício de trabalho
escrito a várias mãos, em que as reflexões
sobre as relações entre ver, ler e pensar resolveram
as reais semelhanças e diferenças existentes entre
seus participantes, resultando disto posições bem
definidas a respeito de estética e forma artística.
Foi uma introdução ao debate sobre a produção
da obra de arte contemporânea.
Tudo isso é possível por causa do acúmulo social
de discussões sobre arte, das práticas e teorias artísticas
realizadas e do reconhecimento da importância da história
e das outras ciências auxiliares para a explicação
das relações e dos objetos dos mundos artísticos.
Desta forma, a história e a crítica da produção
artística existem na história das relações
sociais, nas quais se faz a obra de arte: esta integração
está na base da crítica e da história do desenvolvimento
artístico, possibilitando a real criação de
novas obras de arte, porque conhecemos, criticamos e superamos dialeticamente
as soluções anteriores. O diálogo interno aos
diversos grupos foi realizado no diálogo entre os grupos,
colocando, na cena da crítica, as afinidades e as divergências
existentes entre todos os participantes, e isto foi utilizado como
meio para a satisfação de todos.
O primeiro número de Tempo de Crítica
é uma concretização da coesão e da liberdade
dos indivíduos, demonstrando que é possível
saber, pensar e debater coletivamente sobre a obra de arte. Carrega
o prazer da fatura crítica, como também demonstra
que os imperativos acadêmicos são perfeitamente dispensáveis:
o que vale são as reais participação e criação,
e estas são incontroláveis. É um caderno de
exercício democrático para a construção
da democracia de base coletiva e socializada.
Cada um dos seus textos é parte de um conjunto,
entrelaçado, que forma o primeiro passo de uma longa caminhada.
São respostas às discussões contemporâneas
sobre obras de arte, suas histórias e suas críticas;
terão por sua vez outras respostas, formando uma cadeia comunicativa
rica e profunda. Algumas dessas respostas já começaram
com a favorável recepção do caderno, tido como
objeto necessário para a implementação e fixação
da crítica de arte no Espírito Santo.
Sua história continua, além dessa
recepção, com a publicação deste segundo
número, que tem nas suas origens os fundamentos e procedimentos
dos debates feitos em nossas aulas: toda afirmação
deve ser explicada e discutida por todos os envolvidos.
No dia seguinte ao lançamento do primeiro
número de Tempo de Crítica pensei em pedir aos artistas
que tiveram obras de arte criticadas que escrevessem suas respostas
à crítica à sua obra ou ao caderno inteiro,
para publicarmos como resposta dos artistas aos críticos.
No dia 22 de julho entreguei-lhes uma carta com tal proposta. O
resultado é este que temos em mãos agora.
O primeiro número de Tempo de Crítica foi pago por
R$ 10,00 de cada participante e R$ 50,00 de cada uma das cinco corajosas
empresas patrocinadoras (Galeria de Arte Sandra Resende, Galpão
Steak House, Nicolau Xerox, Senge-ES e TurisBrazil), pois nada havia
de concreto além de nossos desejos e conversas sobre a possível
publicação. A confiança que depositaram em
nosso trabalho, mais que nos ajudar financeiramente, teve uma resposta
social que continua.
O segundo número tem seus custos pagos pela
Secretaria de Produção e Difusão Cultural e
pela Direção do Centro de Artes da Ufes. Esta última
também pagou os custos da conferência do Dr. Luiz Camillo
Osório, promovida e produzida pelos estudantes de Teoria
da Arte 1, auxiliados pela Secretaria do Centro de Artes. Crítico
de arte e professor na Unirio, no dia 20 de agosto, veio expor e
debater conosco um problema central para o nosso trabalho: o papel
da crítica no cenário artístico contemporâneo.
Sua serenidade e objetividade, além de demonstrarem que o
espetáculo pós-moderno não possui estas qualidades,
reforçaram a discussão que vimos fazendo sobre a crítica
não ser falar bem ou mal e sim um ajuizamento construtivo,
feito a partir de posições estéticas claras.
Isto não significa a neutralidade da crítica, mas
a defesa, a emenda ou a oposição ao objeto criticado,
com vistas a aprimorar a reflexão e a produção
artística historicamente fixadas.
No interior desses acontecimentos, a Chefia do Departamento
de Fundamentos Técnico-Artísticos, representada pelo
professor Antônio Carlos Coutinho, integrando-se a essa história
e reconhecendo a relevância de todos esses trabalhos para
uma aprendizagem totalizante, cedeu-nos uma sala no prédio
Cemuni V, na qual instalamos a Monitoria em Histórias e Teorias
das Artes, que funciona como base e propulsora de novas histórias
e críticas.
Esperamos continuar fazendo jus a todos esses apoios.
Pouco a pouco estamos entendendo esse movimento
que nos colheu de um golpe só e que está totalmente
integrado ao trabalho nas aulas, crescente em cientificidade e criticidade,
com seminários envolventes, saborosos e libertadores, através
dos quais cumprimos alguns dos principais papéis da Universidade
Federal: saber e pensar sobre a complexidade das relações
sociais no mundo artístico, desenvolver a pesquisa artística
e construir a convivência democrática que incorpora
as reais diferenças.
Quanto à revisão da língua
pátria deste segundo número, procuramos alterar o
mínimo em cada texto para que não perdessem os estilos
particulares dos seus artistas-autores.
Tudo isso é o começo de um trabalho
que pode servir de incentivo a outros que contribuam para resgatar
e construir a nossa identidade cultural nacional crítica
e reflexiva.
William Golino
Notas:
1
- Tempo de Crítica é um caderno de críticas
dos estudantes de artes plásticas (não se trata de
curso ou disciplina acadêmica, mas sim de modalidades artísticas)
a algumas obras de arte expostas por alguns professores como parte
das comemorações dos 50 anos do Centro de Artes, da
Ufes. Edição dos autores, feita em Vitória,
ES, em julho de 2002.
|
|