Apresentação
Kleber Frizzera

Pequena história do Tempo de Crítica
William Golino

Crítica dos artistas
Attílio Colnago
Augusto Alvarenga
Bernadette Rubim
Eduardo Cozendey
Emílio Aceti
Irineu Ribeiro
José Cirillo
Joyce Brandão
Júlio Tigre
Lincoln G. Dias
Norton Dantas
Orlando Rosa Farya

 



ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE TEMPO DE CRÍTICA

Tempo de Crítica...

É quase uma palavra de ordem.

Não tem verbo, mas soa como uma frase imperativa!

Porém, parece ser necessário estabelecer um momento para a reflexão sobre o devir... parece mesmo que esta sociedade a que pertencemos, na consolidação do seu modo de ser que lhe garante sê-lo como tal, esforça-se para anular o exercício reflexivo do estar no mundo. Como se isto não devesse fazer parte da existência!

Tempo de Crítica. Pensar este caderno de experiências de crítica de arte é pensá-lo para além do texto referente às observações sobre o meu trabalho, Anotações sobre o Tempo. É impossível fazê-lo desconectando o todo que é esta atitude corajosa de expor-se, não com um trabalho plástico – lugar comum se considerarmos a graduação em artes; o que se tem aqui, expresso nestas quarenta e poucas páginas, é uma tentativa de reflexão teórica e, principalmente, compartilhada, sobre o que se vê e se faz no campo das artes plásticas no Espírito Santo.

No seu conjunto, Tempo de Crítica é recheado de análises descritivas dos trabalhos, limite estabelecido por um olhar contaminado pela existência incontestável limitada ao aparente... limitada pelo que se põe raso aos nossos sentidos. Certamente, porém, em todos este exercício é um descortinar da névoa que obstrui o olhar comum – olhar este, diga-se de passagem, treinado diariamente para tal distanciamento reflexivo do mundo e das coisas no mundo.

Assim, alguns textos quedam-se intimistas e servem-se de uma análise predominantemente interpretativa, não a partir do texto explícito na obra, mas por meio de generalizações apressadas e subjetivistas. Em alguns casos, estas generalizações consideram apenas o caráter imediato dos materiais de produção da obra; porém, estão nelas esboços, rudimentos de uma análise que poderá ir além do que se dá aos olhos do público: Diante da obra percebemos a intenção do artista em reavivar a memória... (pág. 22).

Entretanto, percebe-se que alguns destes autores-estudantes, jovens-críticos talvez, buscam estabelecer pontos de análise que superam os ardis fáceis da visão. Buscam estes se aprofundarem na obra, indo para além do campo do aparente e tentam encontrar no título dos trabalhos um possível caminho para este adentrar-se nele: ... o título dela indica a temática escolhida pela artista [...] Kether representa o ser supremo, Deus, acima de todas as coisas (pág. 27).

Neste esforço de entender o símbolo cabalístico que envolve a ação da artista, percebe-se uma ação cognitiva que não se prende a uma simples visão interpretativa da obra, mas sim um esboço de entendimento de que o artista e sua obra estão inseridos num projeto poético que é ao mesmo tempo individual, posto que está pautado num conjunto de valores éticos e estéticos que norteiam o artista enquanto pessoa, mas também que esta relação ultrapassa os limites da particularidade e remete-se ao contexto interativo do todo social, nos arquétipos da memória coletiva.

O texto de Oliveira e Vieira (pág. 16-17) busca inserir a obra de Cozendey no cenário da produção contemporânea capixaba. É um dos textos que demonstra ser possível analisar a obra sem que se faça uso dos mecanismos da narrativa de sua aparência imediata, não é descritivo; considera o autor e seu trabalho num projeto coletivo das artes no Espírito Santo. Destaca o papel do ato criador e da formação cultural do ser criador como fundamental na relação da obra com o público. Artista-arte-espectador, uma relação comunicacional, uma ação comunicativa entre os elementos aglutinadores e catalisadores da cultura local.

Outra análise enveredada por uma reflexão teórico-metodológica é o texto de Silveira (pág. 31-33), o qual apresenta uma abordagem do objeto artístico a partir do seu plano de expressão - um evidente recorte com ferramentas da semiótica, em detrimento da descrição simples da obra. O trabalho é visto primeiramente com base nos modos de geração de sentido decorrente da investigação das linhas estruturais da obra, as quais norteiam a construção do texto visual e a partir do que se tecem as indagações da autora: [...] por que nenhum fio se orienta no sentido norte? – é uma evidência da análise do formante topológico da obra e um dos caminhos para a entrada nos planos mais profundos de sua geração de sentido.

Desta indagação surge uma hipótese – pautada na observação e em algumas considerações da cultura cristã do Ocidente: podemos evocar daquele espaço uma pequena reflexão bíblica encontrada em Jeremias 1,14... Assim, a autora vai construindo de um modo ainda ingênuo, mas com propriedade, algumas conclusões que compartilha com o leitor. Ela desdobra a obra de Pezzin, não pelo que Pezzin diz do seu trabalho, mas a partir do que o próprio trabalho nos diz, a partir daquilo que está “escrito” no trabalho tanto no seu plano de expressão quanto no seu plano de conteúdo. Deste modo, leva o leitor de seu texto a deleitar-se com algumas das possibilidades de se adentrar em planos de uma obra até então não dados de imediato ao observador.

Sem dúvidas, Tempo de Crítica é um marco na história da reflexão teórica do Centro de Artes da UFES. De um modo modesto e sem pretensões, evidencia um material bruto possível de ser lapidado. Demonstra que não é mais utopia se falar em uma possível graduação em teoria e crítica de arte no Espírito Santo, posto que os primeiros passos estão dados por parte daqueles que se interessam em tirar do didatismo o fazer e pensar crítico sobre as artes plásticas no nosso estado. Tempo de Crítica, é essa atitude.

José Cirillo