Editorial
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A ARTE, AS CIDADES E SUAS RELAÇÕES DE TRAMA URBANA

I SALÃO DE ARTE DE VITÓRIA
Casa Porto das Artes Plásticas, Vitória-ES
05 de setembro a 31 de outubro de 2002

Artista: Bernadette Rubim
Obra: Trama Urbana
Instalação. 300 x 300 x 300 cm

A Obra Trama Urbana de Bernadette Rubim, dentre os últimos trabalhos que tenho observado nas últimas exposições, me chamou bastante atenção, pois vem tratar de questões ligadas à cidade, à metrópole, à contemporaneidade... Questões que foram bastante discutidas no ano de 2002 na XXV Bienal Internacional de SP e também no IV Arte Cidade.

A Cidade como uma obra de arte coletiva se torna a cada momento uma consciência mais presente em nossas vidas e dentro deste contexto artistas evidenciam em seus trabalhos questionamentos a respeito do público e do privado, do material de uso comum que vai de encontro aos nossos olhos quotidianamente, a organização da vida social e conseqüentemente a necessidade de gestão da produção coletiva e política.

A título de Trama Urbana, a obra já trás uma gama de conceitos. O que é trama? “1- Em um tecido, fios que se cruzam. 2- Ato ou efeito de tramar ou entrançar fios na fabricação de tecidos. 3- Negócio feito por meio de permuta, barganha, troca”, (D. Michaelis).

Juntando estes conceitos com o termo urbano, podemos ampliar a referência que o título nos dá: Trama Urbana, algo que se entrelaça: pessoas, espaços, gestos, atitudes, vida coletiva que corresponde a transformações constantes na maneira dos homens ocuparem o espaço. A garantia de domínio sobre este espaço está na apropriação material e ritual do território. Assim são construídas as primeiras marcas do desejo humano de modelar a natureza.

Bernadette se apropriou de um material de uso comum na construção civil que são as telas de sinalização, normalmente usadas para demarcar áreas em obras nas cidades, além de criar uma nova estética para o material que vemos cotidianamente, e por isso passa a fazer parte de nosso olhar comum. Na galeria assume uma outra função, a de captar imediatamente o nosso olhar, tanto pela forma quanto pela localização, sendo logo na entrada, fazendo parte do percurso inicial. Apropriar-se destas percepções é mexer com o imaginário das pessoas, introduzindo a noção de lugar e sensação de pertencimento, pois construir e morar nas cidades implicam viver em conjunto com outras pessoas e com regras pré-estabelecidas para gestão desta mesma convivência coletiva.

Chama atenção também pela cor, o laranja. Lembrando que cada cultura tem sua própria maneira de usar a cor e dar a ela um significado. Há também em cada um de nós uma memória afetiva e um arquivo cultural das cores, ou seja, uma mesma cor, pode produzir múltiplos sentidos, pode adquirir um novo significado a partir da percepção de cada observador. Neste sentido, são infinitas as possibilidades de significação de cada cor. No entanto o laranja pela sua enorme vibração e força visual ocupa imediatamente nossa atenção inicial, de forma sedutora, intensa, mas ao mesmo tempo inusitada e estranha. É uma nova forma de olhar para algo (tela laranja para sinalização) que no dia-a-dia cria incômodo e repulsa nas ruas da cidade, por se tratar de um objeto de evidência da desordem urbana.

A imagem de uma cidade não se define apenas pelo que se vê, já que nela podem estar contidas as lembranças e significações particulares e de grupos. O processo de significação da imagem é complexo e depende do repertório dos usuários urbanos, porque também se soma a experiências individuais, sendo sua leitura muitas vezes contraditória. Uma imagem determinada pode despertar um sentimento de agrado ou desagrado, que vai depender da relação das pessoas com o lugar. O Homem tem por hábito dar sentido às imagens que o toca, o que obriga a usar a imaginação para superar o limite do próprio olhar, gerando uma interação entre imagem e quem a vê. No caso da obra de Bernadette, transforma não somente o olhar, mas cria uma relação de reencantamento a partir do próprio contato físico ao permitir penetrar diretamente na mesma. Isso nos transporta para um mundo desconhecido, um pequeno labirinto onde cada movimento é uma nova descoberta que revela aquilo que é praticamente invisível na cidade do dia a dia, a cidade das múltiplas contradições sociais e econômicas, um mundo de provocações que não é controlado totalmente de forma racional. Do interior da obra, sentimos e olhamos para tudo de forma fragmentada, caótica, um mosaico visual do interior para o exterior. Vivenciamos uma nova atitude de movimento do corpo em contato com a nova proposta de utilização do espaço em que as telas são usadas na vertical e não na horizontal.

Olhar uma cidade é perceber, com razão e com imaginação, imagens gerais, particulares, objetivas e subjetivas, já que é através disso que vivenciamos uma existência concreta. A obra discute a relação cidade e arte, uma aventura por meio da diversidade de suportes que caracteriza a metrópole. Intervenções artísticas como resgate do olhar. A arte busca desenvolver uma relação entre o espaço urbano com as pessoas que nele vivem. Assim, partindo desta experiência proporcionada pela artista sobre o cotidiano no qual estabelecemos uma aliança afetiva, podemos estudar as cidades não através de seus conceitos, mas através de um questionamento que leve em conta os sentimentos que estão envolvidos na maneira como somos, conscientemente ou não, afetados por essa experiência espacial.

“As cidades são plásticas por natureza. Moldamo-las à nossa imagem: elas por sua vez, nos moldam por meio da resistência que oferecem quando tentamos impor-lhes a nossa própria forma pessoal. Neste sentido, parece-me que viver numa cidade é uma arte, e precisamos do vocabulário da arte para descrever a relação peculiar entre homem e material que existe na contínua interação criativa da vida urbana”.

Raban, autor do livro Soft City, 1974.

Com esta pequena citação, é possível traçar todas as relações que norteiam a obra em questão, podemos entender que criação enquanto forma de representação das possibilidades percebidas na nossa imaginação, a partir de um material dado, tem complementaridade com o apreciador, observador e seus sentimentos, pois criar implica também em um contato de afetividade com um determinado objeto e a capacidade que temos de ser afetados por ele. Neste sentido a artista Bernadette Rubim se apropria não só do espaço concreto ocupado por seu trabalho no I Salão de Arte de Vitória, mas também de todas as discussões que sua obra propõe, da desordem das sinalizações nas ruas para a ordem das telas na galeria, para depois retornar a proposta de um novo olhar sobre a vida coletiva, na qual cada indivíduo faz parte e tem a importância única de criar reflexões e ações entre o seu ser e o mundo contemporâneo. Sendo assim, com criatividade, simplicidade, mas muita ousadia, a artista relacionou arte, cidade e indivíduo que pertence e participa do mundo, recriando e fazendo do mesmo um rico e interessante objeto de estudo.

Rubiane Maia
rubianemaia@hotmail.com