Editorial
Miro Soares

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Rubiane Maia
Sonia Maria Cabral Quinamo

 


 


CONFIGURAÇÃO PLURAL

PLURALIDADE NA ARTE BRASILEIRA
Galeria de Arte e Pesquisa / UFES, Vitória-ES
06 de fevereiro a 31 de março de 2003

Além de marcar a recepção da obra de arte, o momento em que o artista compartilha com o público os resultados plásticos de suas pesquisas estéticas, uma exposição apresenta-se como um espaço para a discussão e a reflexão, não apenas sobre o fazer artístico, mas também sobre toda sorte de coisas que nos habitam a mente. A incerteza dos conceitos abstratos, as tensões próprias do que é matéria e existe de fato, a maleabilidade do tempo, as trivialidades que regem nossa existência cotidiana...

Uma exposição faz também uma aposta no papel da arte como entendimento de nossa época, de um mundo que se forma a partir de um universo de tradições a muito construídas. Pois, embora não caminhe em linha reta e nem sempre seja clara, a história não se faz em fragmentos. E o tempo progride numa certa ordem, mesmo que esta não seja reconhecida como tal.
Pluralidade na Arte Brasileira inaugura o cronograma de atividades da Galeria de Arte e Pesquisa / UFES no ano de 2003. Sob coordenação do artista plástico e professor Attilio Colnago Filho, a galeria recebe uma exposição coletiva pretendendo dar uma mostra da diversidade da produção de arte contemporânea brasileira.

Como um desenvolvimento dos movimentos artísticos modernos que se sucederam ao longo do século XX, a pluralidade aparece como elemento característico da produção contemporânea. Primeiramente, em função do desprendimento das formas conservadoras de representação, pois a autonomia social da arte determina uma produção que não se prende à reprodução naturalista das formas. Mas, sobretudo, em função da expansão das categorias de técnicas tradicionais, impulsionada a partir das vanguardas históricas. Como exemplos, a superação dos rígidos limites dos gêneros de pintura e escultura, as novas proposições para o “trabalho tridimensional” e para as atividades performáticas, e, ainda, o surgimento das instalações em vídeo e os meios eletrônicos.

Todas essas novas categorias técnicas do trabalho artístico determinaram rumos diferentes para a produção da obra de arte, cada qual permitindo ao artista explorar suas próprias especificidades dentro do seu exercício de criação, agora muito mais próximo do universo real em que ele se encontra.

Já não existe determinação de materiais específicos para o fazer artístico. A arte não está mais separada da vida e, por isso, se utiliza do que existe no ordinário, no nosso mundo cotidiano.

Organizada pela artista plástica goiana Shirley Paes Leme, a mostra conta com a participação de outros onze artistas de quatro estados (oito de São Paulo, um de Minas Gerais, um do Rio de Janeiro e um do Paraná): Beth Moisés, Eliane Prolik, Fabrício Fernandino, Flávia Fernandes, José de Quadros, Manoel Veiga, Renata Pedrosa, Sandra Tucci, Sílvia Mecozzi, Valerie Mota e Walton Hoffman.

Juntos há aproximadamente dois anos, o grupo vem expondo seus trabalhos pela América Latina, notadamente sem intermédio de curadores. Apesar de contemporâneos e de exporem juntos, esses artistas têm muito pouco em comum. Cada um, a seu modo, explora e desenvolve seus trabalhos dentro de um universo bem particular. E é justamente por essa razão, pela diversidade de seus meios, técnicas e pesquisas específicas, que eles são unidos, para exemplificar a configuração plural do cenário das artes plásticas no país.

Em meio à diversidade de gêneros apresentados podemos observar, basicamente, quatro vertentes principais, cuja base de produção é derivada das técnicas tradicionais de pintura, escultura e desenho, além do vídeo (de origem mais recente). Assim, na pintura nota-se a presença de outros elementos formais, como a inserção de ícones ou a linguagem verbal que se une à imagética; na escultura objetos de toda a espécie ganham destaque como desenvolvimento do trabalho tridimensional; e no desenho os materiais empregados são bastante distintos dos convencionais, como o grafite, o carvão ou o pastel. Essa diferenciação das categorias técnicas tradicionais se dá não apenas pela maneira como o material é articulado e apresentado no trabalho, mas, principalmente, pela escolha da matéria a ser utilizada. Pois na arte contemporânea a matéria deixa de ser simples veículo para a criação e torna-se, fundamentalmente, parte da obra de arte.

Dentre os trabalhos de pintura temos a figuração de carga lúdica e simbólica do curitibano Walton Hoffmann, que, com simplicidade e sob estrutura quase simétrica, exibe formas de um imaginário apresentado em silhueta. Na obra de José de Quadros nota-se a sobreposição da referência textual à figura humana. O artista suprime a narrativa pictórica sob a força imperiosa da palavra, num discurso que parece querer se distanciar da pintura. Na abstração de Manoel Veiga tem-se o registro de suas pesquisas estéticas, em que ainda se percebe, de modo bastante sutil, a sugestão de uma forma representativa.

Os objetos tridimensionais, ora percebidos como um desenvolvimento da escultura, ora como um veículo de apropriação, parecem se tratar do gênero de maior adesão na produção artística atual. Eles aparecem em maior número, mas de maneira igualmente diversa. Nas obras de Eliane Prolik e Flávia Fernandes, que podem ser tocadas e manipuladas, percebe-se a presença de módulos básicos na base de sua composição; claro desejo de organização e harmonia. Valerie Mota, com pequenas variações de dimensões e cores, exibe a matéria na repetição de seus trabalhos com couro.

Fabrício Fernandino, de Minas Gerais, cria imagens de leveza e supressão que se relacionam, dialeticamente, no processo do fazer e no desafio da mente em lidar com a matéria, o espaço e os conceitos. Aqui se revela novamente um esforço de construção da passagem da desordem para a ordem. Discretas e contraditórias, as partes se equilibram num repouso momentâneo (e duradouro). A matéria dotada de imensa força determina uma realidade outra, marcada pela tensão e pelo equilíbrio, pelo ritmo e pela sugestão de espaço. Renata Pedrosa, com “panos para manga” e madeira, dá forma em escala humana a ditado popular. Sandra Tucci experimenta materiais e ícones culturais.

Há ainda os trabalhos que se impulsionam a partir da tradição do desenho. Silvia Mecozzi sobrepõe texturas em camadas. Em jogo de transparência relativa, revela e esconde suas formas. As peças de seu conjunto relacionam as figuras às camadas que, ora translúcidas, ora completamente transparentes, são sobrepostas. Essas relações instigam o olhar conforme variam em relação ao ponto de visão do observador. Os desenhos de Shirley tratam do princípio básico do meio: o movimento e o risco. E a partir da técnica de piropitografia, com a utilização de fluidos vegetais, ganham forma sob estímulo do fogo.

Como único trabalho representativo das artes eletrônicas, Beth Moysés apresenta uma vídeo-instalação, em que toca as relações culturais e religiosas.

Embora, evidentemente, não apresente todas as categorias ou gêneros existentes e não dê conta de todas as disposições da produção artística atual em função de sua imensa amplitude, a mostra cumpre bem o seu papel. É capaz de demonstrar, a partir de um grupo bastante representativo de artistas, uma considerável variedade de trabalhos, exemplificando bem a diversidade da produção de arte contemporânea que tem sido realizada no país.

Miro Soares
miro@mirosoares.com