Apresentação
William Golino

Críticas
Fernanda Queiroz Polati
Alda Luzia Pessotti

 


 


SEBASTIANUS AD POST MANTEGNA (1990), Attilio Colnago1
Alda Luzia Pessotti2

Na pintura Sebastianus Ad Post Mantegna (1990, reprodução 1) o artista plástico Attílio Colnago recuperou e trouxe para o final do século XX um tema, pintado em 1459, pelo artista italiano renascentista Andréa Mantegna (1431-1506). Ela faz parte de um conjunto de 28 pinturas e desenhos, dois objetos e uma instalação de 1990 e 1991, quando o artista produziu a série temática Sebastianus. Com essas obras ele homenageou alguns pintores de sua predileção como Mantegna (1431-1506), Giovanni Bellini (1430-1516), Perugino (1446-1523), Hans Holbein, O Velho (1465-1524) e o artista brasileiro Glauco Rodrigues (1929-2004) e também a história de um dos santos mártires dos primeiros séculos do cristianismo.

A história do santo tem sido objeto de interpretações e representações pelos mais renomados artistas que, no desenvolvimento da história da arte, têm interpretado e representado o seu martírio em cenas sempre atualizadas. Attílio faz parte desse elenco de artistas, que conseguem recuperar técnicas, materiais e temas em pintura já dominados por artistas renascentistas. É uma tarefa de arqueologia: a busca de algo existente no passado e seu uso adaptado às exigências do tempo presente no desenho, na pintura e na confecção de objetos.


1. Attílio Colnago. Sebastianus Ad Post Mantegna,
1990. Técnica mista, 49x34 cm.
Coleção particular, Vitória, Espírito Santo.

São Sebastião de Mantegna (1459, reprodução 2) é uma pintura em óleo sobre madeira, de 68x30cm. Atualmente ele compõe o acervo do museu de História da Arte de Viena3.


2. Andréa Mantegna. São Sebastião, 1459.
Óleo sobre madeira, 68x30 cm.
Fonte: Enciclopédia dos Museus. Museu de História da Arte
de Viena. São Paulo: Melhoramentos , 1969, p.39.

Enquanto Mantegna reproduziu a cena do martírio do santo, como se ela tivesse realmente acontecido no século III d.C. (288), numa Roma destruída e invadida pelos povos bárbaros, Attílio, apesar de manter a forma da figura humana e o panejamento da veste idealizadas pelo pintor italiano, revela um duplo sentido para Sebastianus - a dor do martírio imposto ao santo e a beleza da forma que seu corpo adquire, ao expor a sua fragilidade e elegância. Sebastianus é simultaneamente santo e mártir, homem e mito. É o momento da dor homem, do jovem Sebastião despojado de suas vestes de soldado, de operário, de preso político, de desempregado ou outra condição humana que possa apresentar, totalmente indefeso e solitário, atado a um arbusto, ou encostado a uma parede, desarmado, a espera de uma morte anunciada.

A obra de Attílio é uma pintura sobre papel, de 1990. Ela mede 49x34 cm e compôs a série da primeira exposição sobre Sebastianus4. Ela é de acervo particular e a atual proteção que a envolve foi providenciada pelo proprietário. Por ser de papel, ela está protegida ao redor por passe-partout branco, de 8 cm de largura, vidro anti-reflexo e moldura de madeira de cedro, de três tons: um friso dourado de 0,5 cm, que faz face com o vidro, seguido de um friso 1,5 cm de cedro ao natural e a moldura de cedro envernizada de 3,5 cm arremata o quadro. Por detrás ela é protegida por prancha de eucatex. A assinatura do artista e a data estão no canto inferior direito da folha de papel usada na composição, e abaixo o título Sebastianus Ad Post Mantegna.

A associação de materiais e técnicas mistas, como aplicação de tintas, colagem, costura e folha de ouro dão um toque de modernidade à imagem, materiais que o artista usou em várias obras desta série temática. No caso da folha de ouro, ela sempre tem estado presente em suas pinturas, desenhos e confecções de objetos.

A folha de ouro é um material que remonta às iluminuras da Idade Média. Do século VIII, até onde a arte greco-romana estendeu a sua influência, o ouro foi usado para ilustrar bíblias, evangeliários, saltérios, missais, documentos da nobreza e da Igreja. Esta instituição e a nobreza ostentavam a sua riqueza como forma de poder e o ouro simbolizava a riqueza espiritual. Ornamentar os temas sacros dos afrescos e retábulos das igrejas com ouro era uma forma de agradar a Deus e confirmar a fé, a devoção ao cristianismo.

O final do século XIII e início do século XIV coincidem com o período do pré-renascimento italiano, que os historiadores denominam Trecento (século XIV) e Quattrocento (século XV). Nesse período de cerca de um século são abundantes as pinturas murais, os afrescos e os retábulos de madeira onde a aplicação de ouro sempre esteve presente nos ornamentos de palácios (afrescos), catedrais e igrejas (afrescos e retábulos), assim também nos objetos de uso religioso, ornamentais e domésticos do clero e da nobreza.

A técnica de aplicação de ouro foi aprimorada pelos artistas da escola de pintura da Toscana (Florença, Siena, Lucca, Pisa), que a usaram em suas pinturas, desenhos e objetos e expandida para a região de Veneza (Pádua, Mântua, Verona, Veneza) Milão e Roma. Desses centros culturais esse material compunha a pintura dos retábulos, que sempre aprimorada, alcançou os reinados ao norte e a oeste da Itália, regiões que no futuro próximo formariam estado-nações e o continente europeu. Attílio, no final do século XX, recupera esse material e essa técnica renascentista em suas obras.

A escola de Florença se destaca na arte dos retábulos e na técnica de aplicação de ouro com Duccio di Buoninsenga (1260-1319) e o seu retábulo do Antigo Testamento, da Paixão de Cristo e a Virgem com o Menino Jesus (1311); os irmãos Lorenzetti, Pietro (1280-1348) e Ambrogio(1290-1348). Este artista com Apresentação no Templo (1320); de Pietro o retábulo de três planos Maria e o Menino Jesus, os Apóstolos Evangelistas e a Anunciação (1320)5.

Mas é Giotto di Bondone (1255?-1336), discípulo de Cimabue (1240-1302), ambos da escola florentina, que deixa a sua influência nos afrescos e retábulos com aplicações de ouro nas imagens do Crucifixo (1283-1280) e o Tríptico Stefaneschi, como exemplo de obras que o artista pintou em Florença, Assis, Pádua, Roma, etc6.

Dos afrescos e retábulos, a aplicação de ouro é transposta para as telas de linho, isto no renascimento propriamente dito (segunda metade do século XV até meados do século XVI). Na série Sebastianus, Attílio o aplicou sobre papel e em tela de tecido. Das iluminuras da Idade Média ao final do século XX são quase treze séculos de uma técnica que simboliza espiritualidade e transcendência à imagem que a recebe. Sebastianus a confirma.

Do renascimento italiano Attílio se detém no início do século XX e se apropria das técnicas de assemblage e collage, criadas pelos primeiros artistas cubistas antes da primeira Guerra Mundial (1914-1918), Georges Braque (1881-1963) e Pablo Picasso (1881-1973). A assemblage é a apropriação de objetos, da mesma natureza, à obra, enquanto que a collage é a técnica de colar e costurar papéis, tecidos e outros materiais à tela7. Com essas duas técnicas inovadoras, os cubistas puderam construir a forma com tinta e outros materiais, porém certo que o objeto colado, costurado, apropriado, possui realidade própria, tem função específica na obra. Ele não está na tela de forma justaposta, ao contrário, ele agrega com a sua materialidade diversa à tinta, a construção da forma da imagem, como nas duas obras dos dois artistas cubistas. Braque em Natureza Morta com Ás de Paus (1911)8 e Picasso em Garrafa de Vieux Marc, Guitarra, Copo e Jornal (1913)9, ambas as pinturas feitas em óleo sobre tela e colagem de papéis.

Attílio já havia experimentado a colagem de tecido em Nanã Buruquê, da série Orixás (1984) e a assemblage em Objeto da dor (1991, reprodução 3), uma releitura de São Sebastião (1459) de Mantegna e o tríptico ... Das dores que Pastoreio (1991, reprodução 4), esta imagem uma representação do quadro Martírio de São Sebastião (1516) de Hans Holbein, O Velho.


3. Attílio Colnago. Objeto da Dor
(Sebastianus Ad Post Mantegna), 1991.
Técnica mista, 200x70 cm.
Acervo do artista. Vitória, Espírito Santo.

 


4. Attílio Colnago. ... Das Dores que Pastoreio (1991).
Tríptico, técnica mista, 50x210 cm.
Acervo particular. Vitória, Espírito Santo.

De posse desse arsenal de técnicas e materiais, o artista deu forma humana a Sebastianus e criou um ambiente para a sua sustentação e para a reprodução da imagem fotocopiada e colada da pintura de São Sebastião de Mantegna. Esta imagem mede 20x12 cm e ocupa aproximadamente um terço do espaço da obra. Ela está colada no lado direito do papel destinado à pintura de Sebastianus e recebeu costura de linha branca nas margens direita e inferior. Do lado esquerdo ela foi rasgada. Ela tem a função de servir de inspiração para a forma plástica de Sebastianus, que ocupa três quartos do espaço esquerdo e superior da obra, incluindo a aplicação da folha de ouro e a ambientação destinada à sua sustentação e supremacia em relação à imagem fotocopiada na qual foi inspirada (reprodução 1).

A opção do artista em localizar o jovem do lado esquerdo é de natureza técnica, porque este lado funciona como entrada à percepção visual do quadro e nele se inicia o desenvolvimento formal do espaço pictórico, que prossegue em direção ao lado direito superior, continua da esquerda para a direita e termina no lado direito inferior. A percepção visual do espectador é sempre seguir ou direcionar o olhar no sentido do relógio; começa-se no alto do lado esquerdo e, em movimentos sinuosos chega-se ao lado inferior direito. Este foi o meio que sempre os artistas usaram “para articular e orientar o movimento visual da composição”10.

O traçado de dois retângulos no espaço pictórico (linhas amarelas) destinado à localização das partes superiores das duas figuras humanas – Sebastianus e São Sebastião – mostra que o artista usou a proporção áurea para estabelecer as relações existentes entre elas, que é a transferência de uma imagem (o jovem) de outra imagem pré-existente (o santo). Essa relação se completa com a linha diagonal descendente (linha verde) traçada a partir do centro da cabeça do jovem, que passa pelo olho esquerdo, divide a face ao meio no sentido diagonal e prossegue em direção ao lado direito. Ela liga o olhar da imagem representada àquela que o inspirou (esquema 1 da construção da imagem 5).


5. Esquema 1 de Sebastianus Ad Post Mantegna
Fonte: Reprodução 1.

Sebastianus tem a mesma forma de composição de São Sebastião. O cruzamento das linhas verticais e horizontais (linhas vermelhas e azuis do esquema 1 da imagem 5) forma o eixo geométrico de cada figura que, combinado com os espaços dos retângulos originados da proporção áurea faz com que o centro visual perceptivo da composição se situe a partir de cada uma. A organização espacial da superfície pictórica é equilibrada. Há proporcionalidade na altura e na largura das duas imagens.A pintura do jovem, realizada em pinceladas soltas, quase como um croquis, tem uma forma que se esvai, que se dissolve na altura do tornozelo, deixando a sua figura inacabada, enquanto que a do santo está completa e se apóia no pedestal da coluna.

Mantegna pintou São Sebastião em 1459, no início do Renascimento. Desse modo o seu traçado obedece ao modelo de proporções humanas de Vitrúvio, arquiteto romano do período da Antiguidade Clássica, e que foi usado também pelos artistas do Trecento e Quattrocento italianos11. Esse traçado foi, posteriormente, sendo aperfeiçoados por Lorenzo Guiberti (1378-1455), Leone Battista Alberti (1404-1470), Leonardo da Vinci (1453-1519), Michelangelo (1476-1564) e Albrecht Dürer (1472-1528)12. Attílio optou por esse cânone clássico de traçado da figura humana usado pelos pintores renascentistas, que se define pela medida de oito cabeças para a composição da altura de Sebastianus (linhas verdes do esquema 2 da imagem 6). Entretanto, apesar de sua composição resguardar esse cânone da arte clássica renascentista, as suas linhas diagonais, curvas e contracurvas configuram movimento e equilíbrio ao jovem, mesmo que ele tenha as mãos dispostas para trás, sobre o quadril, como se estivessem atadas, à semelhança de São Sebastião. As duas figuras estão de frente, com o quadril e a cabeça levemente inclinados para o lado direito, enquanto o tronco forma uma linha côncava do lado esquerdo, que prossegue até o ombro. Elas têm, ainda, uma linha sinuosa descendente, que tem início na base da cabeça, acompanha a coluna vertebral em forma de S, passa pelo púbis e prossegue até o tornozelo (linha vermelha do esquema 2 da imagem 6). Essa linha sinuosa é essencial para a definição do movimento corporal de cada imagem.


6. Esquema 2 de Sebastianus Ad Post Mantegna
Fonte: Reprodução 1.

Outra característica comum do traçado das duas figuras é o delineamento de suas pernas. Attílio, ao seguir Mantegna, usou o artifício do contrapposto13. O peso do corpo do jovem se distribui de forma que uma perna se apóie na outra, imprimindo equilíbrio à sua configuração.

Em Sebastianus, o recurso do conttraposto e o traçado da linha sinuosa descendente, que acompanha a coluna vertebral e desloca o tronco levemente para a esquerda e o quadril para a direita o tornam longilíneo, solene, com formas harmoniosas. À medida que elas se associam às linhas diagonais, dão-lhe movimento, dinamismo. Essa disposição da forma faz com que ele se movimente para o alto, como se estivesse levitando. Diferente do santo, que tem os tornozelos amarrados a uma coluna e os pés apoiados no chão.

Attílio optou por uma forma de representação sem detalhes definidos. Sebastianus não tem pés e orelha esquerda; os olhos, nariz e a boca são apenas sugeridos. Essa ausência de nitidez de detalhes é uma característica da arte do século XVII e foi introduzida pelo Barroco e foi acolhida por artistas e seus estilos nos séculos posteriores14.

No Barroco, os artistas têm interesse em representar imagens onde a frontalidade é dissimulada, o equilíbrio é instável, oscilante, motivado pelas diagonais, que constituem a direção principal do quadro e que fazem com que as duas metades da tela não sejam iguais, e de onde sobressaem formas que se caracterizam por um jogo de simetria-assimetria. Mesmo que a imagem pictórica esteja limitada ao espaço da tela, são criados artifícios ou recursos dispersivos para que ela possa parecer sem limite. Ao dissimular as linhas verticais e horizontais, próprias da arte clássica, suas figuras são dinâmicas e com isso elas buscam o seu caráter expressivo e levam em conta o espectador e suas exigências visuais, principalmente quando se trata de uma obra de concepção profana15.

Andrômeda (1638, reprodução 7), de Rubens (1557-1640), exemplifica os recursos e artifícios do estilo barroco e que são encontrados em Sebastianus. Semelhante ao jovem, ela está representada de frente, na vertical, com o rosto e os braços levemente inclinados para o lado esquerdo. Ocupa todo o centro da tela, mas seu corpo, embora visto de frente, manifesta-se de modo dissimulado, solto, como se estivesse saindo de algum lugar, mesmo que seus pés se apóiem no chão e que seus braços estejam algemados acima da cabeça. A distância de sua figura em relação às margens do quadro esvai-se sem limites e seu corpo movimenta-se em função das diagonais traçadas para compor a sua forma.


7. Rubens. Andrômeda, 1638. Óleo sobre tela, 189x94 cm. Berlim, Galeria Gemaelde.
Fonte: Wölfflin, H. Conceitos fundamentais de História da Arte. São Paulo: Martins Fontes. 2000. p. 190.

Os recursos da técnica do claro-escuro estão presentes na pintura que dão forma ao jovem. Por basear-se em valores visuais, sua superfície pictórica apresenta os contrastes da marcação da luz do claro-escuro, em direção descendente, tendo um dos lados da tela onde a luz se faz mais presente, neste caso o lado direito, em contraste com as partes escuras, que se posicionam onde a luz incide com menos intensidade e em direção ao fundo da composição. Essa técnica foi desenvolvida no início do Barroco por Caravaggio (1571-1610), pintor que, ao reagir aos artifícios do Maneirismo cultuados pela Igreja, deixou a sua marca definitiva nessa nova forma de iluminar os personagens de suas figurações quando “a luz se encarrega de modelar e destacar as formas, atingindo com maior ou menor intensidade os detalhes da composição”16. Essa técnica foi aproveitada e aprimorada por pintores do Barroco holandês, como pode ser confirmada em Andrômeda (1638, reprodução 7), até chegar às experiências do uso das cores desenvolvidas pelas vanguardas artísticas européias do final do século XIX e início do século XX, que têm em Cézanne (1839-1906) a expressão máxima17. Ele é o artista a quem Attílio mais se aproxima, quando transforma luz em cor, quando associa os movimentos das linhas e das cores para criar imagens figurativas, quando usa veladuras transparentes, pinceladas ritmadas, massas e volumes.

É o recurso do uso da cor como meio de expressão, próprio da pintura moderna, cujo estilo de composição considera o espaço pictórico aberto, formado por massas, que dão volume à figura, que por sua vez se caracteriza por manchas e cujos elementos visuais predominantes são a luz e a cor. O artista desenha com os pincéis e mistura cores diferentes para estabelecer os planos sombreados, como também para formar os claros18.

Sebastianus recebeu tinta acrílica nas cores quentes para a forma do seu corpo: o vermelho puro misturado aos tons claros. Para realçar o contraste onde incide a luz predominam os tons de rosa e manchas vermelhas, cuja intensidade do tom culmina nas manchas. A luz é projetada no lado direito, somente sobre a parte da obra do jovem representado. O panejamento que cobre o seu quadril recebeu cor branca, que se mistura ao vermelho e verde, que se transformam em sombreados. Há leves pinceladas de verde, que se misturam aos tons róseos das manchas claras do panejamento e do corpo. Os volumes sombreados dos braços, da parte interna do púbis, quadril, coxas e lateral do peito direito são formados por leves pinceladas de marrom misturado ao vermelho e verde.

A opção pelo vermelho e verde faz com que a figure avance, como se estivesse saltando do fundo. As leves pinceladas de marrom que formam as manchas escuras sob o peito direito e partes encobertas do púbis e antebraços permitem que estes pontos recuem. Esses jogos de cores constroem massas volumosas, cuja vibração concorre para a dramaticidade do martírio do jovem. O fundo da pintura do lado esquerdo recebeu cor dourada originada da aplicação da folha de ouro, cor que se repete na forma circular da auréola da cabeça. No fundo o dourado tem leves incisões de tintas marrom e verde, na forma geométrica de quadrados, que se deslocam das manchas que contornam a figura para as laterais do lado esquerdo do retângulo. O tratamento dessas incisões sugere a representação de uma parede feita de pedra.

O fundo onde o jovem se apóia tem contorno castanho esverdeado, resultado da mistura do marrom, dourado e verde, como se fosse a projeção de sua sombra. Ela é a parte da composição percebida como se fosse a sua costa, cuja profundidade foi conseguida pela oposição da luz e sombra do claro-escuro.

O lado direito recebeu tinta acrílica verde; suas pinceladas sugerem ramos de um arbusto, onde o corpo de Sebastianus teria sido amarrado.

São Sebastião, reprodução em fotocópia em preto e branco, colada sobre papel canson, se separa da figura do jovem pelo branco do papel rasgado e pinceladas de verde e marrom sobre a margem esquerda de sua imagem. Esse recurso faz com que ele recue em relação ao avanço de Sebastianus. Do lado direito a imagem colada recebeu pinceladas de vermelho, que contornam a sua lateral do ombro até os pés e avançam os limites de sua figuração. Esse tratamento plástico com cor quente marca a sua presença como imagem inspiradora do jovem e o destaca em relação aos valores do preto e do branco da fotocópia e o insere no conjunto pictórico.

A opção de Attílio em representar a figura humana como elemento principal em suas pinturas, tem-lhe permitido, desde 1978, trilhar e construir a sua trajetória artística à semelhança de artistas brasileiros, que no século XX, optaram pelos princípios estéticos e plásticos das vanguardas artísticas européias (cubismo, expressionismo, neoplasticismo, dadaísmo, surrealismo, dentre outras) e experimentaram técnicas e recursos de representações próprias da arte moderna, fossem na pintura ou na escultura, até o momento que adquiriram estilos próprios.

Ao olhar para o passado é possível associar as pinceladas e manchas de Sebastianus com o Nu cubista (1916, reprodução 8) de Anita Malfatti (1896-1964) e com a imponência da escultura Brasileiro II (1938, reprodução 9) do pintor e escultor italiano Ernesto de Fiore (1884-1945), radicado no Brasil desde 1934. Nessa obra ele reforça forças expressivas pessoais, que por meio do gesto, ele imprimiu à escultura. Sua forma, em sentido vertical, é semelhante àquela do jovem pintado pelo artista capixaba19.


8. Anita Malfatti. Nu cubista,1916. Óleo sobre tela, cm.
Coleção Georgina Malfatti.
Fonte: Arte no Brasil, v. 2. São: Paulo: Abril Cultural,
1979. p.600.


9. Ernesto de Fiore. Brasileiro II, 1938. Escultura, bronze.
Fonte: Arte no Brasil, op. cit., p.797. Acervo desconhecido.

O romeno Emeric Marcier, radicado em Barbacena, Minas Gerais, desde 1947 é considerado o artista moderno de temas religiosos no Brasil e representou São Sebastião (1963, Figura 10) no estilo surrealista. O seu santo encontra eco nas figuras de De Chirico (1888-1978), onde o humanismo metafísico se faz presente20.


10. Emeric Marcier . São Sebastião, 1963. Óleo sobre tela.
Fonte: Arte no Brasil, op.cit., p. 873. Acervo desconhecido.

Entretanto, é Glauco Rodrigues (1929-2004), artista gaúcho de Bagé que, em 1947, elegeu a cidade do Rio de Janeiro como sua moradia, que mais representou o santo mártir. São Sebastião, ao mesmo tempo padroeiro de Bagé e do Rio de Janeiro, foi pintado várias vezes pelo artista, ora sozinho, ora compondo cenas que revelam usos e costumes cariocas e brasileiros. Na reinterpretação do santo ele mistura elementos de imagem do santo de Bagé, no caso as feridas, as flechas, a coroa dourada, o panejamento, a árvore e as cordas com o ambiente urbano do Rio de Janeiro, em pinturas permeadas de cenas enriquecidas pelo samba, carnaval, os blocos de rua, praias, banhistas; enfim, imagens bem humoradas, irônicas, permeadas de clichês da grande metrópole, como em Tião do Brasil (1989, reprodução 11)21.


11. Glauco Rodrigues. Tião do Brasil, 1980. Acrílica sobre
tela, 250x100 cm. Coleção Sérgio Barcelos
Fonte: Glauco Rodrigues. Rio de Janeiro: Salamandra.1989. p. 114.

Para a série Sebastianus Attílio o homenageou quando reapresenta, em diversas imagens, a idéia de suas telas São Sebastião Hedonista (1983, reprodução 13) e São Sebastião Padroeiro de Bagé e do Rio de Janeiro (1987, reprodução 14)22.


12. Glauco Rodrigues. São Sebastião Hedonista, 1983. Acrílica sobre tela colada em madepan, 130x97 cm.
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Fonte: Glauco Rodrigues. Rio de Janeiro: Salamandra. 1989. p.106.

 


13. Glauco Rodrigues. São Sebastião Padroeiro de Bagé e do Rio de Janeiro, 1987. Acrílica sobre tela, 100x130 cm. Coleção Jarbas Macedo de Camargo Penteado, Rio de Janeiro.
Fonte: Glauco Rodrigues. Rio de Janeiro; Salamandra. 1989. p.117

ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA

A história de São Sebastião relaciona-se aos primeiros séculos do cristianismo. Os relatos de sua história registram que ele nasceu em Milão, filho de mãe viúva e jovem mudou-se para Roma, onde abraçou a carreira militar23.

Sebastião conciliava a tarefa de oficial e como cristão defendia os prisioneiros perseguidos pelos romanos em função da conversão ao cristianismo. Denunciado por causa da fé professada, teve de pô-la à prova. Entre negá-la e manter dois cristãos inocentes presos por ordem do imperador, preferiu soltá-los e confirmar a sua fé. Considerado traidor, por abandonar os ritos pagãos dos romanos e também por proteger os inimigos do Império, no caso os cristãos convertidos, foi preso e condenado à morte. Foi levado a uma colina, amarrado a uma árvore, apedrejado e supliciado por flechadas atiradas pelos arqueiros romanos. Foi salvo por uma cristã. Conta-se que foi o seu primeiro milagre, porque as feridas ocasionadas pelas flechadas e pedradas eram mortais, mas ele a elas sobreviveu.

Em 20 de janeiro de 288, após terem transcorridos três meses de seu primeiro martírio, durante os festejos do aniversário do Imperador Diocleciano, o ex-oficial o desafiou publicamente e ratificou a sua fé cristã. Foi novamente preso, amarrado a uma coluna do palácio imperial e morto por flechadas dos arqueiros da guarda pretoriana. Em homenagem ao seu duplo martírio, à sua fé cristã, aos cuidados que dispensava aos cristãos presos e perseguidos, o dia de sua morte, 20 de janeiro, foi escolhido como a data que os fiéis rendem-lhe homenagens24.

Em 367, o papa Dâmaso mandou construir uma igreja sobre a sua sepultura, na Via Ápia, em Roma, local de peregrinações desde a sua morte. É considerado patrono dos soldados, dos militares, protetor contras as pragas, epidemias e invocado durante as batalhas25.

No século V o santo torna-se mártir com notoriedade, quando o monge Arnóbio, O Moço, descreveu o seu martírio e a sua morte como se fossem uma Paixão. Esses relatos fantasiosos passaram a exercer grande influência nas pessoas piedosas e a devoção à sua memória ultrapassou Roma e alcançou regiões européias cristãs e o Oriente próximo26.

O quadro pintado por Mantegna representa a tarde da morte do santo mártir no palácio imperial e relaciona-se aos fatos da Paixão e da Crucificação. Os dois temas são semelhantes quanto ao martírio: Cristo e o santo foram martirizados antes da morte, foram apedrejados e mortos por objetos perfurantes; Cristo por pregos e o santo por flechas. A Paixão associa-se ao martírio, ao sofrimento, aos acontecimentos que precederam e acompanharam a morte de Cristo e do santo. Cristo nos dias que precedeu a sua more e o santo nos três meses quando se curou das feridas ocasionadas pelas pedradas e flechadas e, novamente, quando foi flechado e morto pelos arqueiros romanos. Os dois mártires morreram jovens e pregavam um mundo melhor e o cristianismo como conduta de vida: o batismo, a opção pelos pobres, a humildade, a freqüência à igreja cristã (as catacumbas), etc. Ambos foram mortos por não renegarem a fé cristã, sem direito à defesa, em uma colina; apenas portavam um panejamento branco que lhes cobria os quadris. Um foi morto pregado na cruz e o outro foi amarrado a uma árvore ou a uma coluna, fatos que se associam à Crucificação.

A pintura do martírio do santo amarrado a uma árvore ou em uma coluna depende da escolha do artista em representar a cena de sua morte. Mantegna o pintou duas vezes amarrado à coluna (1459 e 1480, reproduções 2 e 15).

A árvore e a coluna possuem simbologias semelhantes, porque foi do vegetal que o homem tomou de empréstimo a forma de coluna27. A árvore é o símbolo da vida, em perpétua evolução e ascensão para o céu; ela evoca os significados de verticalidade e as relações que se estabelecem entre a terra e o céu. É também a coluna vertebral que sustenta o corpo humano, o templo da alma. Como a cruz, ela é instrumento de suplício e de redenção e reúne os dois significados extremos de morte e passagem para a vida, porque é por meio da cruz que se dá o encontro com a luz28.

A coluna simboliza a árvore da vida: a base indica a raiz; o fuste o tronco, com conotação sexual popular de faço ereto; o capitel a folhagem. A sua verticalidade aplica-se à coluna vertebral, ao edifício que ela sustenta e a tudo que o corpo humano significa. Para a arte clássica greco-romana ela significa as relações entre o céu e a terra; manifesta o poder de Deus no homem e o poder do homem sob a influência de Deus e a passagem do mundo terreno para o celestial, do humano para o divino e a ligação entre a terra e o céu29.

A imagem de Sebastianus foi inspirada em um santo que, em 1459, foi representado amarrado a uma coluna, semelhante àquela que Mantegna também pintou em 1480 (reprodução 15). Por que Attílio preferiu a imagem de 1459 e não aquela de 1480? A comparação das formas plásticas das duas imagens revela que naquela de 1480 o semblante facial do santo tem marcas de enrijecimento que lhe conferem dor, sofrimento e envelhecimento, diferente da forma plástica de seu corpo que é de uma pessoa jovem, porém destituído de sofrimento, assemelhado a uma estátua, a uma figura humana sem vida, sem emoção frente ao sofrimento que o martírio possa ter-lhe causado.


14. Andréa Mantegna. San Sebastiano,1480. Óleo sobre madeira. Paris, Louvre. Fonte: Classici dell’ Arte.
L ópera completa de Andréa Mantegna. n.8. Milano: Rizzoli. Editore.1967. p. 43.

A imagem daquela de 1459 (reprodução 2) revela o contrário. Penso que a escolha do artista se assenta nas formas das linhas esculturais de sua figura, que são sinuosas e insinuantes, enriquecidas pela sensualidade de seu corpo e pelo semblante angelical de seu rosto. Acrescidas pelo desenho da auréola de santo que contorna a sua cabeça.

Dessa imagem o artista conta a história de um cidadão anônimo, de cujo corpo levemente retorcido, emana dor, sofrimento e perpassam idéias de flagelo e vida contemplativa. É a versão da Paixão contemporânea que o artista lhe confere.

Na cena dessa Paixão o jovem está entre dois mundos: o terreno e o celestial. O terreno está representado pelo verde, que suporta o seu corpo e que se estende ao lado direito como se fossem ramos de uma árvore; cor que simboliza crescimento, esperança, juventude e o lado de sua força como ser humano que suporta o martírio.

O mundo celestial está representado, no lado esquerdo, pelo ouro, que confere sacralidade ao tema e indica luz divina, espiritual e celestial30. A superfície vermelha de seu corpo, cor que simboliza o princípio da vida e a Paixão de Cristo evoca caridade, doação de sangue e o Espírito Santo. Quando o vermelho é clareado pelo branco torna-se diurno e representa a vida e quando escurecido pelo marrom e pelo verde torna-se noturno e com essas cores representa a morte. O vermelho saturado é a cor da libido, do coração, cor que seduz, encoraja, provoca e associa dois sentimentos ligados: ação e paixão, libertação e opressão31.

Sebastianus foi pintado em 1990, para compor uma série em que Attílio homenageia artistas de sua predileção, que retrataram o santo em épocas distintas, de acordo com a lenda de seu martírio. A sua comercialização, fato concretizado durante a sua exposição em um espaço cultural, foi contingência natural de uma obra de arte que possui valor econômico-social e o seu autor se valeu dos instrumentos de mercado de sua época para divulgá-la e obter retorno financeiro do seu empreendimento artístico.

São Sebastião, de Mantegna, pintado em 1459, foi feito sob encomenda do prefeito de Pádua (Itália), Antonio Marcello, após Mântua ter sido acometida por epidemia de peste durante dois anos (1456-57) e foi oferecido à igreja local, devota do padroeiro32. Apesar da distância de mais de cinco séculos entre as duas obras, elas , de forma diferente, alcançaram os objetivos de comercialização e ornamentação de um espaço para serem admiradas. Sebastianus está em residência particular e São Sebastião integra o acervo Museu de História da Arte de Viena (Áustria), como doação do Arquiduque Leopold Wilhem, em 1659. 33

Mantegna e Attílio, ao envolverem parte do corpo do jovem com um tecido branco amarrado à região do púbis, atribuíram-lhe símbolos associados ao término da vida. O branco é cor da morte e do luto, da mortalha dos perseguidos, dos crucificados; é também a cor da pureza, cor iniciadora dos ritos de passagem, na medida em que a vida se alterna com a morte e esta é um movimento transitório da união do visível e do invisível34.

O período de criação da série Sebastianus coincide com a permanência de Attílio em Minas Gerais (1988-89), onde se torna restaurador. Com essa série sobre a releitura do santo mártir, o artista retorna a um tema que é recorrente em sua trajetória artística: a dor, a paixão, a sensualidade de suas figurações, onde o erotismo é a idéia, o fio condutor usado para contar uma história, desenvolver um tema.

Sebastianus é uma figura humana inquietante. O seu dorso se contorce de dor. Não aquela da flechada do arqueiro, mas aquela da paixão, da carne dilacerada causada pelo sofrimento, que lhe adentra o peito e atinge o coração. É a dor do sentimento da desilusão, do desejo não concretizado.

O seu lado humano tem como mensagem a crença no homem. O seu personagem, representado a partir de uma obra renascentista, por um pintor contemporâneo brasileiro, conta a história do homem que, em nome da fé e do amor, sofre o martírio de não sucumbir às pressões que lhe são impostas por uma ordem estabelecida. É a morte anunciada representada numa uma obra, que permite ao espectador refletir sobre o cidadão anônimo que a todo o momento é massificado, flechado, perfurado, oprimido pelas incongruências e oscilações de uma sociedade capitalista desigual. Qualquer pessoa que conheça a sua história refletirá sobre a proposta do artista que o produziu. Será que Attílio sugere que é possível melhorar as relações entre os homens para que outros anônimos possam ser poupados por tentarem sobreviver em meio de tanta desigualdade social? São questões subjetivas que dizem respeito ao homem, à opção que ele faz na condução de sua existência nessa sociedade de mudanças bruscas, de acontecimentos voláteis.

Como contribuição ao consumidor de sua arte, oriundo dessa sociedade urbana, assentada em características modernas, mas trilhando terrenos da pós-modernidade, Attílio elegeu uma obra contemporânea, resultado de longa pesquisa artística que perpassa a arte do renascimento, a estética barroca, a plástica das vanguardas artísticas européias e já de domínio de artistas modernos brasileiros do século passado.

Com a sensibilidade própria de um humanista, ele não teve receio de trazer à tona um tema religioso (o passado) e construir uma figura humana masculina que transgride a banalização atual do homem do mundo globalizado e, assim, brindar o seu espectador, o admirador de sua arte, com um produto cujas matérias primas são oriundas de processos tecnológicos industriais avançados, que podem ser produzidos em qualquer lugar do mundo. Mas a idéia, a criação, o fazer artístico é individual e intransferível, porque é único. Assim é Sebastianus.

 

REFERÊNCIAS

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O ARTISTA ATTÍLIO COLNAGO

Attílio Colnago é capixaba de São Domingos, município ao norte do Espírito Santo, onde concluiu os estudos do ensino fundamental. No colégio Marista, em Colatina, cursou o ensino médio. É graduado em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (1977) e nesta instituição, desde 1978, é professor de Desenho, Materiais e Técnicas de Pintura e Restauração. Nestas áreas das artes plásticas tem produzido desenhos, pinturas e objetos, ora de forma isolada, ora intercambiando essas técnicas nos mais diversos objetos de arte.

Ao lado de suas atividades como docente e pesquisador, ele coordena o Núcleo de Conservação e Restauração do Centro de Artes da UFES. Foi também Coordenador das atividades da Galeria de Arte e Pesquisa desta unidade de ensino, função que exerceu no período de 2001 a 2005, concomitante ao cargo de Vice-Diretor do Centro de Artes. É especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, Pintura em Cavalete e Escultura Policromada sobre Madeira pelo Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (CECOR), da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (1989).

A sua trajetória como artista plástico tem sido a mais profícua possível. No início de sua carreira dedicou-se mais ao desenho com grafite, nanquim e aquarela. Após diversos cursos e pesquisas em festivais de arte, oficinas e atividades como docente e pesquisador, ele assumiu publicamente o seu lado de pintor. Do uso da aquarela, foi introduzindo a têmpera a ovo, a vinílica , até chegar a todas as possibilidades oferecidas pela tinta acrílica e outros materiais que a tecnologia torna disponível aos artistas pintores contemporâneos.

Desde 1978 que a figura humana tem sido o seu objeto de estudo e pesquisa e a ela ele tem estendido o seu foco de atenção, elegendo a figura feminina como a sua forma de representação preferida. Isso sem desprezar outras formas de representação, porém estas sempre incorporadas aos temas e objetos de pesquisa.Os traçados de suas figurações se desenrolam simultaneamente nas técnicas do desenho e da pintura. São as linhas do desenho que ganham volume com as tintas, que ao serem cobertas pelas suas texturas e cores , desempenham a função de suporte, de instrumento de uma técnica indissociável e necessária à figura representada pela pintura em suas telas.

A sua incursão pelos temas sacros teve início em 1985, com estudos sobre Madonas. O tema Sebastianus foi o primeiro de figuração masculina que ele produziu e coincidiu com o início de suas atividades como restaurador de imagens sacras e telas de pinturas, após retornar de seus estudos em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Nesses vinte e oito anos, de 1978 a 2006, Attílio tem produzido, no mínimo, uma série temática a cada ano, fora a sua participação em exposições coletivas. Suas obras, além do Espírito Santo, já percorreram exposições em Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo, Brasília e Bélgica. Para este país foi levada a série Orixás(1984).

Nessas exposições, a figura feminina tem sido representada, por meio de suas pinturas, desenhos e objetos, nos mais diversos papéis que a mulher tem desempenhado na sociedade e que são de domínio público. Isso não exclui a figura masculina que, à vezes, é também representada, porém, em situações de coadjuvante do papel feminino, ou mesmo como essencial ao tema pesquisado, com pode ser visto em Cenas de um Casamento (1984).

Os papéis femininos são tratados pelo artista como estereótipos sociais, muitas vezes com sentido irônico, para não dizer cínico. Suas mulheres são mães, filhas, esposas, irmãs, namoradas, amigas, amantes, rainhas, princesas, artistas, matriarcas, escritoras. Ora santas, damas, donzelas, ora mundanas, ora amadas, confidentes, ora traídas, desdenhadas, ora indiferentes, mas sempre nos centros das atenções e expondo o seu lado sedutor e por que não misterioso?

Todas essas características marcam a série A Casa de Mme Antonieta (1996). Nela, a jovem representada assume esses papéis quase simultaneamente, sugerindo, assim, uma mistura de carnalidade e espiritualidade excepcional.

No primeiro semestre de 2005, Attílio retornou às figurações masculinas, sem deixar de lado o elemento feminino, ambos presentes na série temática Confidências para uma Terceira Pessoa. A figura masculina aparece em três tempos, em representações de auto-retratos de sua infância, juventude e maturidade, que associadas a representações de recortes de figuras masculinas de pintores renascentistas são desenhadas “no suporte rígido de MDF e uma urdidura composta de gesso sotille e óxido de zinco”35 por onde deslizam pontas de prata, de latão e de cobre.

Nesta série temática as figuras masculinas renascentistas retornam para uma representação onde se unem dor, sedução e prazer, retiradas de obras como São Sebastião (1459) de Andréa Mantegna (1431-1506), Martírio de São Sebastião (1516) de Hans holbein, O Velho (1465-1524), Cristo Morto de Hans Holbein, O Moço (1497-1543) e Adão E Eva de Lucas Cranach, O Velho (1472-1533). É o diálogo da técnica do desenho com os materiais renascentistas (ponta de prata, de latão e de cobre) e com o MDF que substituiu a madeira consumida pelo desenvolvimento. Com essas imagens e materiais Attílio reproduziu um tema que recupera figuras e estilos de períodos da história da arte do Renascimento e percorre influências de artistas modernos e contemporâneos, no caso o brasileiro Farnese de Andrade (1926). Deste artista, ele se apropriou da forma dos bonecos, representando-os em pinturas, cujo realismo associado a ambientes reais causa um estranhamento ao olhar.

 

Notas

1- Ensaio escrito para a disciplina Teorias da Arte I, do Curso de Artes Plásticas, semestre letivo 2005/1, sob a
orientação do Professor William Golino.

2- Aluna do Curso de Artes Plásticas, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

3- ENCICLOPÉDIA DOS MUSEUS. Museu da História da Arte de Viena. 2. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1969. p. 39.

4- Exposição no Espaço Cultural Yázigi, Vitória, ES. De 14/12/1990 a 31/01/1991.

5- DUBY, Georges. “A idade média”. In: História artística da Europa. DUBY, G.; LACLOTTE, M. (Org.).
Tradução Mário Dias Correia, Rio de Janeiro: Paz e Terra, Tomo II, 1998. p.254 - 56 e 372- 73.

6- Ibid, p. 329 e 351.

7- ARGAN, G. C. Arte moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. 8. imp. Tradução
Denise Bottmann & Federico Carotti, São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 305 e 559.

8- Ibid, p.429.

9- OS GRANDES ARTISTAS MODERNOS. Picasso, Modigliani, Miró. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural,
1991. p. 20-1.

10- OSTROWER, Fayga. Universos da arte. 24. ed. Rio de Janeiro: Elsevier: Campus, 2004. p. 36-7.

11- DUBY, G., op. cit., p. 207-218.

12- PANOFSKY, E. Significado das artes visuais. 2. ed. Tradução Maria Clara F. Kneese & J. Guinsburg,
São Paulo: Perspectiva, 1979 (Coleção Debates). p. 89- 148.

13- OS GRANDES ARTISTAS. Gótico e Renascimento: Michelangelo, Da Vinci, Botticelli. 2. ed. São
Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 15.


14- WÖLFFLIN, H. Conceitos fundamentais da História da Arte. Tradução João Azenha Jr, 4. ed. São
Paulo Martins Fontes, 2000. p. 165-72.

15- WÖLFFLIN, H. op. cit., p.168-72.

16- OS GRANDES ARTISTAS. Barroco e Rococó. Velásquez, Caravaggio, Rembrandt. 2. ed., São Paulo:
Nova Cultural, 1991, p. 38.

17- ARGAN, G. Carlos, op. cit., 1992, p. 18-19; 30-40; 112-15.

18- OSTROWER, Fayga, op.cit., 2004, p. 101-5 e 333.

19- ARTE NO BRASIL, v. 2. São Paulo : Abril Cultural, 1979. p. 665 e 797.

20- Ibid, p.863.

21- GLAUCO RODRIGUES. Texto de Luís Fernando Veríssimo, Rio de Janeiro: Salamandra, 1989. p. 114 e 137.

22- Ibid., p. 106 e 117.

23- SGARBOSA, Mario. Os santos e os beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente. Tradução Armando
Braio Ara, São Paulo: Paulinas, 2003.

24- SGARBOSSA, op. cit., p. 47.

25- Ibid., p.47.

26- Ibid., p.47.

27- CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionários de símbolos. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio,
1993.

28- Ibid., p. 84-90.

29- Ibid., p. 265-66 e 670.

30- CHEVALIER, J. GHEERBRANT, A.; p. 938-43.

31- Ibid., p. 938-43.

32- CLASSICI DELL’. L’ opera completa di Andréa Mantegna. n.08. Milano: Rizolli Editora, 1967. p100.

33- ENCICLOPÉDIA DOS MUSEUS. Museu de História da Arte de Viena, op. cit., p. 37-9.

34- Ibid.,p. 141-44.

35- ARANTES, Maria do Carmo.”Confidências para uma terceira pessoa”.In: COLNAGO, Attílio. Confidências para uma terceira pessoa. Desenhos. [ S.I.: s. n. ], 2005.