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Apresentação
William Golino
Críticas
Fernanda
Queiroz Polati
Alda Luzia Pessotti
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A casa de Mme. Antonieta
Fernanda Queiroz Polati
Seu olhar melancólico me prende
Há uma sensação de cansaço, um desvelamento
no ar
Me olho mas sem querer me ver
Meu reflexo diz o que trago dentro da alma
Na penumbra que se faz presente o íntimo se desvanece
Pois já não há espaço para a inquietação
Há um peso sobre os ombros e a sensação de
ter parado o tempo,
O fluir da vida
Suspiro presa em minha concha
E meus olhos e meu corpo, cansados,
Caem pesados sobre as respostas que não possuo
É um tempo sem fim e de solidão
Obscuro como as sombras projetadas nesse salão e que selam
essa vida desprovida de pulsação.
INTRODUÇÃO
A obra escolhida para análise neste trabalho
foi uma pintura de Attilio Colnago intitulada A Casa de Mme Antonieta,
que faz parte de uma série de mesmo nome feita no ano de
1996. Ela é uma acrílica sobre tela e mede 120 x 100
cm.
Com a análise dessa obra temos o objetivo
de identificar suas características formais, tais como linha,
superfície, volume, luminosidade, cor, entre outras; situá-la
nos estilos contemporâneos de composição, relacionando-a
com as obras do próprio artista e de outros, procurando semelhanças
ou diferenças entra elas; identificar os elementos iconográficos,
partindo das formas analisadas anteriormente para fazermos uma interpretação
iconológica. Também identificar algumas características
dos movimentos artísticos ao longo da história da
arte que influenciaram o artista em questão e a construção
da obra, relacioná-la ao contexto histórico da época
em que foi feita e analisar o reflexo (se é que ele existe)
deste mundo sobre sua composição ou o da sua pintura
sobre o mundo.
Descrição da obra
A Casa de Mme Antonieta é um retrato de uma
mulher que se encontra no canto de um ambiente pouco iluminado,
sentada numa cadeira, com os braços apoiados sobre uma mesa
e com a cabeça encostada nas mãos. Em cima dessa mesa
encontra-se um espelho, o qual reflete o rosto da mulher, mas agora
com as mãos a escondê-lo. Ao lado da mesa há
uma cadeira que possui sobre si um vaso de flores e uma xícara.
O chão é quadriculado, há um tapete sob os
pés da jovem e atrás um papel de parede decorado com
flores. O corte é como o de uma fotografia, com enquadramento
bem próximo, como se captasse um momento instantâneo.
Modelos de Composição
Ligando os pontos do calcanhar esquerdo da modelo,
seguindo pela perna, joelho e encontrando o queixo, continuando
pela boca e nariz, temos uma linha vertical quase imperceptível
que divide o quadro.
Essa verticalidade é predominante, estando
presente na decoração da parede, no vaso de flores,
nos pés da mesa e cadeiras, na perna esquerda e nos antebraços
da modelo. No entanto, ela é quebrada em alguns momentos
pelas linhas inclinadas do tampo da mesa, do assento da cadeira
à esquerda e pelas laterais do tapete, além das linhas
horizontais da outra cadeira e também do tapete.
A predominância da verticalidade dá
certa imobilidade, mas esta é instável, já
que é quebrada pelas linhas diagonais para vir a se estabilizar
novamente, proporcionando um equilíbrio à composição.
A linha de encontro do chão com a parede também divide
o quadro, horizontalmente, quase que ao meio. Esses eixos centrais
fixos favorecem uma estrutura mais simétrica à composição.
Há também neste quadro uma composição
triangular na figura humana central, passando pela linha vertical
que divide o quadro, voltando pelo olho esquerdo, ombro, tronco
e quadril, ligando-se à inclinação do pé
esquerdo. Este tipo de composição foi muito usado
na Renascença, período pelo qual Attilio Colnago é
muito influenciado.
Já a movimentação visual segue
uma diagonal descendente, que parte do espelho no canto superior
esquerdo, passa pelo cotovelo da jovem e pela barra do vestido,
terminando na abertura do canto inferior direito.
Esta continuidade por que passam nossos olhos, promovida
pelos contornos dos planos, é interrompida pelas margens
do quadro, que funcionam como estabilizadores, contendo a movimentação
visual. Mas essa imobilidade provocada é quebrada pela presença
de superfícies fechadas, como o contorno da figura central,
o espelho e a xícara, que formam elipses que se movem mais
facilmente.
De qualquer forma, o que sobressai é a lentidão,
e para esse percurso lento do olhar sobre a obra também contribuem
as linhas descontínuas, entrecortadas, encontradas no piso
e na própria sobreposição de planos, desviando
nosso olhar para direções variadas, o que dá
um peso maior à composição. Apesar disso, as
linhas diagonais e curvas dão certo dinamismo à obra
e aí vemos presente o equilíbrio na composição,
que permite uma quietude mesmo com a movimentação
das linhas.
O contraste da luminosidade divide o quadro numa
diagonal contrária à anterior, já que vem de
baixo, do lado esquerdo, partindo da cadeira, refletindo sobre a
modelo e se dissolvendo no lado direito. Mas as sombras aí
representadas estão contrárias à direção
da luz que foi descrita. Também podemos perceber que apesar
da escuridão que se faz no canto esquerdo superior há
um foco de luz no espelho que reflete a imagem da jovem. Este contraste
claro/escuro independe do foco de luz e é ele que vemos em
toda a composição. Mesmo nos detalhes esses valores
claro/escuro (pequenas manchas contrastantes) estão presentes.
Essas duas diagonais descritas se cruzam no ponto
de encontro do joelho com a barra do vestido, marcando o centro
geométrico do retângulo delimitado pelas margens do
quadro. Mas vemos também um centro no encontro das linhas
de divisão vertical e horizontal, localizado mais abaixo,
onde termina o joelho.
Um tratamento diferenciado à figura é
dado pela utilização das cores ditas altas/saturadas,
como o verde, amarelo e vermelho, que vibram mais e avançam
no espaço, enquanto o fundo é composto por cores baixas,
menos vibrantes e que recuam. Estas se desmaterializam, aproximando-se
do efeito visual da luz, já que se diluem na penumbra presente.
Podemos perceber também a presença
de cores complementares, como o verde e o vermelho e o violeta e
o amarelo, que, estando separadas (não se tocando), promovem
uma tensão espacial, uma vibração que contribui
para o ar de mistério, de sugestão do quadro.
Influências Estéticas
Attilio Colnago nos apresenta
nesta obra e no conjunto de seu trabalho um espaço clássico
modificado, jogando temas antigos com composições
modernas. A exemplo de Giorgio de Chirico (em Mistério e
melancolia de uma rua, 1914) e Carlo Carrá (em A Musa Metafísica,
1917), ele joga com a questão da estaticidade clássica
e do movimento moderno, como podemos ver na substituição
de valores para as linhas verticais. Apesar delas, o que vemos é
um efeito (horizontal) de repouso e calma.
Mistério e melancolia
de uma rua, Giorgio de Chirico, 1914.
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A Musa Metafísica, Carlo
Carrá, 1917.
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No quadro citado de De Chirico a
cena, como a de Colnago, parece congelada, apesar do jogo entre
linhas inclinadas e verticais e a luminosidade vindo em diagonal,
que dão certo dinamismo. Já no quadro de Carrá
a figura humana é retratada como estatuária, rígida,
mas ao mesmo tempo parece prestes a jogar a bolinha de tênis
para nós.
Esse movimento já se faz
presente desde o século XVI, como uma nova tendência
renascentista do Cinquecento. Nesta época passa-se da verossimilhança,
do estilo descritivo ao dramático, a uma “expressão
momentânea que brota do fluir dinâmico da vida.”
(Wölfflin, A Arte Clássica, p. 254)
A divisão vertical do quadro
ao meio caracteriza a divisão composicional clássica.
Mas aqui a simetria que caracteriza esse momento da história
da arte, como podemos ver n’A Última Ceia (1495-1498)
de Leonardo da Vinci, não se faz presente. Nele, a divisão
se encontra na figura vertical de Cristo ao centro da mesa, e de
cada lado seu estão posicionados seis apóstolos agrupados
de três em três. Há também quatro portas
de cada lado, uma ao centro, atrás de Cristo, e mais uma
de cada lado dele. A movimentação dos apóstolos
também é bastante simétrica e o próprio
Cristo está posicionado com seus braços estendidos
simetricamente.
A Última Ceia, Leonardo da Vinci,
1495-1498.
A Renascença também
se faz presente aqui pela divisão horizontal, mas com a diferença
de não apresentar uma oposição complementar
entre as partes superior e inferior. Esse tipo de divisão
é encontrado em O Enterro do Conde de Orgaz, de El Greco,
do ano de 1586, no qual as cabeças dos nobres em fila formam
uma linha horizontal que divide o quadro em céu (acima) e
terra (abaixo), duas cenas opostas e ao mesmo tempo complementares.
O Enterro do Conde de Orgaz, El Greco, 1586.
A junção dessas duas
divisões daria a idéia de circularidade que caracteriza
o Barroco, mas que mais uma vez não vemos presente neste
quadro de Attilio Colnago. Um exemplo desta circularidade é
o quadro Martírio de São Mateus, de Caravaggio (1599-1600).
Nele a figura central, mais iluminada, divide o quadro, e as figuras
ao seu redor possuem um tratamento corporal, uma movimentação
(elas formam duas curvas opostas) que em conjunto nos dá
a idéia de um círculo que se fecha.
Martírio de São Mateus,
Caravaggio, 1599-1600
A composição triangular
descrita anteriormente marca a passagem da arte dita clássica
(até o século XVII) para o movimento moderno (século
XVIII e XIX). Nesta época, com o Iluminismo, o homem passa
a fazer parte do universo e o que temos nesta obra é a figura
humana inserida neste espaço.
No quadro de Colnago a distribuição
de luz e sombra está a serviço da caracterização
(característica cinquecentista), há uma misteriosa
penumbra, uma luminosidade que envolve a cena em múltiplas
gradações de claro e escuro, proporcionando uma transparência
à cena. Com isso ele retrata a visão cósmica
do Renascimento, na qual todas as coisas se unem numa fusão
de contrastes em novas harmonias.
Esta claridade difusa, juntamente
com os ornamentos dos objetos e as subdivisões das linhas
e planos, aumenta a densidade da matéria, apresentando assim
a visão de materialidade que começa no Renascimento.
Para compensar essa materialidade
dada aos objetos, Colnago tira os elementos da margem inferior,
mais pesada, e passa-os para a parte superior do quadro, que possui
maior leveza. Assim, temos um equilíbrio entre as partes,
o que não deixa a obra ficar pesada e densa demais, como
no caso d’O Biombo Mouro, tela de Matisse de 1921, na qual
a profusão de espaços decorados é cansativa
para o nosso olhar.
O Biombo Mouro
Henri Matisse, 1921.
A abertura do canto inferior direito
é que dá a sustentação para essa leveza
da obra, já que naturalmente está implícito
na estrutura do retângulo um peso, um potencial de atração
muito grande.
Sendo assim, percebemos que ao lado
da materialidade o mundo espiritual se faz presente nesta obra de
Colnago, mostrando um mundo de profundidade física, um espaço
tátil e sensorial, mas imbuído de sentimentos místicos.
Essa desmaterialização
é vista em outras obras suas, como na sua Anunciação,
de 1997, e também nas madonas (1995), que têm os dedos
tão longos e finos que parecem muito frágeis, quase
imateriais, características das madonas góticas.
Anunciação, Attílio
Colnago, 1997.
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Madona, Attílio Colnago,
1995.
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O panejamento trabalhado, a decoração
e os móveis antigos, assim como a perspectiva diferente da
xícara sobre a cadeira, são também elementos
clássicos que se fazem presentes numa composição
moderna.
Técnica Moderna
Sabiamente, Attilio Colnago faz surgir
brechas no espaço saturado por meio de um vazio luminoso
que dilui o desenho, deixando surgir lacunas que contribuem para
a atmosfera misteriosa que caracteriza suas obras.
É isso que dá
a vibração da obra, onde o claro avança e se
expande e o escuro recua e se contrai, além da predominância
de cores quentes, mais próximas do vermelho e amarelo que
do azul.
Essas cores quentes e vibrantes
já são também elementos modernos, que substituem
a atmosfera pesada das cores escuras usadas nos retratos clássicos
e dão um ar de sensualidade.
Attilio Colnago vê com olhos
atuais as formas do corpo humano, trazendo-nos um novo contexto
com distorções e rotações dessas formas,
já trabalhadas dessa maneira, mas agora atualizadas, revitalizadas.
Ele “... mostra que original não é o que inventa
ou apresenta pela primeira vez, mas aquele que revê, reinventa,
reelabora e redescobre os assuntos e procedimentos do passado, conferindo
um novo significado também à memória”
(Almerinda da Silva Lopes em As formas da Imaginação:
síntese ou totalidade?, 1990).
Tendo um apurado conhecimento
técnico das formas bem definidas do corpo humano, ele brinca
com elas, mas sem abandonar seu interesse pela definição.
Um exemplo disso é
o quadro Menino de Colete Vermelho (1894-5), de Cézanne,
no qual o braço direito alongado responde a uma necessidade
de equilíbrio pictórico.
Menino do Colete Vermelho, Cèzanne, 1894-5.
Mesmo havendo nessa obra uma mistura
de padrões de composição, ela não cai
numa desordenação, com os objetos espalhados por todo
lado e sem uma interação visual definida. Ao contrário,
presenciamos uma harmonia na sua totalidade.
Contribui para essa harmonia o deslocamento
do centro, caracterizando um centro perceptivo que dá equilíbrio
à obra num sentido de peso. Ele serve como um apoio visual
que segura os objetos em cima para que eles não “caiam”.
Isso, juntamente com a verticalidade presente, dá a idéia
de incorporeidade, de elevação e transcendência,
que caracteriza o estilo gótico, bastante referenciado por
Colnago.
Vemos também em toda a produção de Attilio
Colnago, como na obra analisada, uma tendência à representação
figurativa que incomoda, com formas distorcidas e uma narrativa
desconcertante, características que vêm como influência
surrealista, corrente que discute a realidade, a criação
da realidade. A exemplo disso voltamos à tela de Carlo Carrá.
Não só nela, mas em quase toda a produção
de Giorgio de Chirico há uma construção, no
sentido arquitetônico da palavra, da figura humana. Esta assume,
como em Mme Antonieta, um ar de mistério e nos traz a questão
de que o ser humano, hoje, está sendo robotizado pela modelação
do corpo. Será este o ser humano real? Será que podemos
inventá-lo e tomá-lo como real?
Todas as formas, motivos e imagens
presentes na obra são valores simbólicos que ajudam
a compreendê-la como registro da personalidade do artista,
de uma atitude particular ou do mundo a sua volta. É a idéia
da obra, a mensagem a ser passada, a sua função que
é revelada através de suas características
composicionais e iconográficas, como algo que está
além da representação formal.
Começamos pela imagem representada
em destaque: a de uma mulher sentada. Esse tema feminino, marca
da produção de Attilio Colnago, é representado
como fonte de prazer, mas ao mesmo tempo com um quê de recato.
São mulheres comportadas, mas que apresentam um olhar vago,
voluptuoso, misturando, confundindo o sagrado e o profano, como
ele faz em quase toda a série de 2005 para a exposição
Confidências para uma terceira pessoa. Nesta série
há o tempo todo um jogo entre prostitutas e mulheres de época
vestidas como freiras, como também a comparação
do próprio artista com Cristo (na obra intitulada Anunciação,
na qual aparecem os pés de Cristo como complemento do auto-retrato
do artista) e com São Sebastião (na obra Sebastiane,
na qual uma flecha do martírio atinge o coração
do artista).
O tratamento dado a essas mulheres,
apesar de possuir influência das artes clássicas (Renascimento
e Barroco), é contemporâneo, na medida em que a figura
humana significa algo ao ser deformada, torcida, aumentada ou diminuída.
Há também uma interpretação
metafísica da estrutura do corpo através da proporção,
presente não só nela, mas em toda a composição.
Isso reflete a correspondência divina entre o homem e o universo,
marcando mais uma vez a influência do clássico em Colnago,
até por causa de sua ascendência italiana. A simetria,
na Idade Média, era considerada o princípio da perfeição
estética e as proporções do corpo uma realização
visual da harmonia musical, na Renascença.
O amarelo, que predomina no quadro
e, principalmente, na pele da mulher, é uma cor quente e
expansiva, associada aos raios do sol, cegante, intenso e que representa
o poder das divindades. Apesar dessa característica luminosa,
celeste, a figura apresenta uma carnalidade enorme, um peso, marcando
a contraposição entre o divino e o humano, o céu
e a terra. Isso também é visto na relação
entre a pele amarelada e a aproximação da morte. Esta
cor representa o amadurecimento da plantação e anuncia
a chegada do outono, ou seja, do declínio, da velhice e da
morte, o que se contrapõe à juventude de madame Antonieta,
podendo então se referir ao seu estado de espírito.
Além disso, a cor amarela é masculina, representa
luz e vida, juventude, vigor, eternidade, o que também se
contrapõe à falta de vida na mulher, ao seu esmaecimento.
Há uma falta de vibração
na mulher, mas não no quadro inteiro. Este, como já
foi dito na análise formal, apresenta uma forte vibração
devido à variedade de linhas e cores complementares.
Considerando o homem como sendo o
meio entre a terra e o céu, temos a correspondência
disso no verde do vestido da jovem, que possui um valor médio
entre o quente e o frio (nas cores), entre o alto e o baixo.
O verde é uma cor tranqüilizadora,
humana, que representa a esperança, já que a terra
se reveste de verde após seu período de desnude. Esse
é o caso de madame Antonieta, que se vê desprovida
de vida, mas que após esse período desolador pode
restabelecer sua alegria de viver. Ou seja, o verde é o despertar
da vida, a cor da força e longevidade, mas também
da acidez, da imortalidade (vegetação que se renova
a cada ano). Enfim, ela é portadora de morte e de vida, como
a jovem representada, e simboliza um conhecimento oculto das coisas.
Por ter essa característica ambivalente é uma cor
neutra, calma, sem alegria ou tristeza, sem paixão. Ela representa
o mundo imóvel, satisfeito, que mede seus esforços.
A jovem parece completamente sem forças e não quer
tê-las, está indiferente, o que é confirmado
pelo tom claro do verde do seu vestido.
Em contraposição ao
verde (cor da água), temos no sapato um vermelho intenso
(cor do fogo), duas cores complementares e que ligam a essência
(fogo) e a existência (água) do homem. Do vermelho
se desencadeia a vida (surgimento do fogo) e ela desabrocha no verde
(das matas). Esse desabrochar, esse surgimento de uma vida é
reforçado pelas flores presentes no quadro e pode estar relacionado
com a morte, para a partir dela surgir um outro ser, renovado, purificado.
É como se madame Antonieta estivesse prestes a viver esta
passagem.
Essas duas cores também representam
a complementaridade dos sexos, sendo o vermelho a cor masculina,
impulsiva, e o verde a cor feminina, reflexiva. Isso estabelece
na obra um equilíbrio entre os opostos e também entre
o homem e a natureza, já que o verde representa a volta ao
útero, ao seio materno, ou seja, à mãe terra.
É a oposição constante entre o mundo masculino,
científico, racional, autoritário, objetivo, e o mundo
feminino, sentimental, sensível, emocional e intuitivo.
O vermelho, além de ser a
cor do fogo, símbolo do princípio da vida, por sua
força e brilho é também a cor do sangue. Sangue
que corre mais forte quando nos inquietamos, nos seduzimos. É
ele que incita à ação, é a imagem do
ardor, da força impulsiva, de juventude e saúde. Tudo
o que a mulher não possui em sua atitude.
Além disso, os sábios
e os clérigos usam a cor vermelha em suas roupas, sendo ela
a cor da ciência secreta, da alma. Por isso ela tem um aspecto
ambivalente, explorado nesta pintura, de estar relacionada com o
sagrado e o profano ao mesmo tempo, com o encorajamento e o alerta,
com morte e vida. Situações as quais Mme Antonieta
parece estar vivenciando.
As flores presentes nessa pintura
nos deixam a mensagem de vida, de algo que vai crescer, de juventude.
Apesar de esta última estar presente na figura feminina,
as duas anteriores não estão evidentes, mas ocultas
por trás da expressão desconsolada dela. A flor, além
de representar a mulher, é símbolo do princípio
passivo, é a imagem das virtudes da alma, sendo o ramalhete
a perfeição espiritual, coisas as quais madame Antonieta
parece estar prestes a alcançar. Ela é símbolo
do amor e da harmonia que caracterizam a natureza primordial, identificando-se
com a infância, como símbolo de instabilidade, de essência,
também representando as almas dos mortos. Ela defende o transitório
e o impermanente, características da evolução
da sociedade, do papel da mulher e mesmo dos sentimentos.
O vaso contendo as flores é
um reservatório da vida, funciona como o seio materno, no
qual se forma um nascimento, acontece uma metamorfose. Também
é o vaso que contém o tesouro, o mistério da
vida, o Graal. É como se houvesse uma correspondência
entre o vaso de flores e madame Antonieta, os dois contendo as mesmas
características.
O espelho aí presente
reflete uma imagem não correspondente à posição
real da personagem, revelando a verdade, o conteúdo do coração
e da consciência. Ele é um instrumento da iluminação,
símbolo da sabedoria e do conhecimento, por isso se identifica
com o sol. Mas também com a lua, que reflete, como um espelho,
a luz do sol, e então com a mulher que é simbolizada
pela lua.
Apesar de proporcionar um
conhecimento verdadeiro, o espelho nos dá certa ilusão,
já que esse conhecimento é indireto, um conhecimento
lunar. Ele nos dá uma imagem invertida da realidade, uma
imagem corrigida, o que o torna símbolo das coisas vistas
de acordo com sua realidade essencial. Também pode se referir
aqui à arte, que não é exatamente uma representação
da realidade, mas uma alusão a ela, produzindo uma certa
ilusão da mesma.
O espelho redondo tem uma
característica celeste, de pureza da alma e, portanto, inspira
o terror do conhecimento de si. Essa atmosfera, como se existisse
um fantasma de si mesmo que não se conhece bem rondando o
ambiente, se reflete na duplicidade, no jogo especular apresentado,
não só aqui como na maior parte das obras de Colnago.
Também podemos encontrar o espelho redondo em obras como
Lição de Pintura e A Leitora Desatenta, ambas de 1919,
de Henri Matisse.
Lição de Pintura,
Henri Matisse, 1919.
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A Musa Metafísica, Carlo
Carrá, 1917.
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Ó espelho!
Água fria pelo tédio em teu quadro gelada
Quantas vezes e durante horas desolada
Dos sonhos, e buscando minhas lembranças que são
Como folhas sobre teu vidro de poço profundo
Apareci-me em ti como uma sombra longínqua
Mas, horror! Certas noites, em tua severa fonte
Conhecia nudez do meu sonhar disperso!
(Mallarmé)
De acordo com Jung, o feminino, dentre
outras coisas, é a personificação das relações
com o inconsciente. No paganismo são as sacerdotisas, ou
seja, as mulheres que se comunicam com os deuses. Além disso,
são possuidoras de uma beleza e sedução divinas.
Essa mistura de pureza religiosa
com luxúria e prazer está presente nessas obras de
Matisse, fazendo uma correspondência com A Casa de Mme Antonieta.
De acordo com Nicolau Berdiaeff
(CHEVALIER, GHEERBRANT, 1991, p.421), a mulher “está
mais ligada do que o homem à alma do mundo, às primeiras
forças elementares” e é através dela
que “o homem comunga com essas forças”.
Por isso é a mulher quem
guia o homem para uma transcendência, o que explica, em parte,
o papel secundário do homem nas obras de Colnago.
Em todo o quadro percebemos essa
característica transcendental, mística, que dá
uma atmosfera religiosa à obra.
Essa passagem para o Alto é
caracterizada também pela disposição vertical
dos elementos no quadro. Esta verticalidade é o símbolo
da ascensão e do progresso, representando também o
estado definido da tomada de consciência, que é dada
pela revelação da imagem no espelho.
A verticalidade também representa
a evolução do animal homem, que se pôs de pé
e se diferenciou do resto das espécies. Mas, em contraposição
a isso, a mulher representada está curvada, e só algumas
partes de seu corpo é que estão na vertical, como
a perna e os antebraços.
A arte nos oferece modelos estéticos
em cada época e lugar e é através deles que
uma dada sociedade se manifesta. Seu conhecimento humano e científico
é passado, de certa forma, através dessas imagens
simbólicas, pois é por meio de formas de expressão
visuais, e não letradas, que essas informações
nos atingem mais profundamente. O impacto de uma imagem é
maior do que o das palavras e é fonte de informação
mais verdadeira, pois tem um caráter espontâneo e inconsciente.
A arte, então, tem o poder
de discutir a realidade e através disso nos proporcionar
uma melhor compreensão dela.
“...a arte possibilita
revelações sobre a realidade social às quais
a ciência não poderia chegar sozinha.” (Costa,
p.35 )
Citação de Arnold Hauser
Sendo a expressão de
movimentos históricos e de mudanças sociais, a obra
analisada retrata as transformações e ações
da mulher na nossa sociedade atual.
Qual é o motivo de
Attilio Colnago retratar principalmente a mulher e colocar o homem
em papel secundário e coadjuvante dela? Quereria ele mostrar
a emancipação desta em relação àquele?
Durante toda a história
da arte o discurso nas obras era majoritariamente masculino. A mulher
foi ganhando espaço aos poucos e nos anos 70 e 80 passou
a ser um dos temas mais freqüentes no estudo da humanidade.
O retrato dessa emancipação
nos é mostrado pelo jogo freqüente de oposições
de características femininas e masculinas, estando as últimas
sempre como pano de fundo para as primeiras, como, por exemplo,
na presença da cor vermelha, masculina, no sapato de madame
Antonieta. Isso nos poderia dizer que o homem é a sustentação
da mulher, mas que ali perdeu toda a sua função, já
que ela está sentada e deixa cair todo o seu peso, sendo
o homem não mais capaz de segurá-la.
Essa emancipação
é mostrada na força e caráter que vemos em
Mulher na cadeira Vermelha, de Henri Matisse, de 1936.
Mulher na cadeira Vermelha, Henri Matisse,
1936.
Mas exatamente por esse desmantelamento
da figura, que nos passa o sentimento de tristeza e cansaço,
é que nos perguntamos se a mulher está feliz com a
sua condição atual, se depois de tanta luta e conquista,
ela se sente realizada.
O espelho nesta obra vem nos mostrar
o descontentamento através da revelação de
identidades e oposições. Na imagem refletida a mulher
tampa os olhos com as mãos numa atitude de não querer
ver quem é, aquilo que se tornou, seus sentimentos, dúvidas
e anseios.
O espelho, ou seja, seu estado interior,
significa para ela sofrimento e desapontamento, devido ao estado
em que se encontra sua alma.
É como se ela não tivesse
mais vontade própria e estivesse relegada a acompanhar o
mundo para onde ele a leve. Se sente uma inválida, como é
no quadro O Inválido (1899), de Matisse. Nele, além
da impotência diante do mundo, vemos também um ambiente
agitado, fragmentado, que pode ser rearranjado a qualquer hora.
O Inválido, Henri Matisse, 1899.
Esse é o mundo capitalista,
consumista, no qual a mulher virou um produto a ser comercializado,
como uma volta ao seu passado não muito distante, onde era
dada em casamento por dinheiro, e suas qualidades e habilidades,
como cozinhar, cuidar da casa, ser obediente, serviam como marketing.
Agora acontece a mesma venda da mulher, do corpo da mulher, e neste
quadro de Colnago vemos presente esse uso do corpo, mesmo que apenas
sugerido na atmosfera, no requinte do ambiente e na própria
jovem. Esse ambiente de prazer é mais acentuado no quadro
de Di Cavalcante, Cena de Café Concerto (1934), onde ele
deixa bem claro o papel da mulher na sociedade atual.
Cena de Café Concerto,
Di Cavalcante, 1934.
É como
se a mulher tivesse virado um robô, com todas as partes do
corpo artificiais, idéia que nos remete à obra de
Carlo Carrá já comparada com a de Colnago: A Musa
Metafísica.
Essa característica
de mulher artificial é vista também em Anunciação
e Natureza Morta, ambas de 2005, da exposição Confidências
para uma terceira pessoa, de autoria de Attilio Colnago.
A mulher de A
Casa de Mme Antonieta está identificada com uma imagem interior
e afetiva, valorizando a fantasia e o sonho em detrimento do racionalismo
do mundo, da realidade fria e objetiva. É uma mulher simples,
mas plena de sentimento e secreto prazer, estando entre a romântica
idealista barroca e a severa e rígida neoclássica,
representando, ao invés da dignidade da matriarca em suas
funções dentro da família, a solidão
doméstica e a fadiga espiritual.
Essa característica
é acentuada pelo interior sombrio e silencioso, como um ambiente
íntimo e religioso. A pouca claridade não tem força
suficiente para alegrar o ambiente e a expressão desconsolada
de madame Antonieta.
Essa expressão
desconsolada é vista a partir do século XIX, durante
o qual começa a revolução tecnológica
e científica que vivemos hoje, como também o sistema
capitalista. Nesse ambiente, o que é sentido pelas pessoas
é um abandono, uma indiferença em relação
à essência do ser humano, o que provoca essa atmosfera
de crise psicológica vista em obras como Madame Cézanne
no Jardim, (1872-82); Retrato de Madame Cézanne de Azul,
(1885-7), ambas de Paul Cézanne; e A Leitora Desatenta (1919)
de Henri Matisse. Mas também há características
assim em retratos masculinos, como Retrato do Dr. Gachet, (1890),
de Vincent Van Gogh, que reflete “a triste expressão
de nossos tempos” (HARRIS, p. 40).
Madame Cézanne no Jardim,
Paul Cézanne, 1872-82.
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Retrato de Madame Cézanne
de Azul,
Paul Cézanne, 1885-7.
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Retrato do Dr. Gachet,
Vicent Van Gogh, 1890.
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O espelho aqui, como símbolo
da ilusão, mostrando uma realidade mitológica, é
quem na verdade lhe revela a realidade pura, como possibilidade
de autoconsciência em face da alienação neste
mundo. É a possibilidade de equilíbrio entre corpo
e espírito, proposta renascentista, que valoriza a condição
terrena do homem, mas ao mesmo tempo reserva a ele uma posição
central no universo.
“A imagem assim criada surge
como duplo, como fantasmagoria(...). É a imagem do que não
existe, a imagem de outra imagem. Como tal, sua virtual capacidade
de manuseio e manipulação é ilimitada (...)
eliminando a possibilidade de surgimento de um significado novo
e acentuando a presença do mesmo (...) ainda que muitas vezes
refeito. Nesse jogo de espelhos, o horizonte entrevisto é
a conformidade.” (PELLEGRINI, 1995, p.79)
Sendo assim, madame Antonieta, enquanto
imagem, pode ser rearranjada eternamente de acordo com os interesses
de outrem.
Na verdade, o espelho mostra a duplicidade
ou pluralidade existente tanto no mundo como no ser humano. Pluralidade
também de mulheres, que agora são representadas através
de sua frivolidade, de seu ar mundano, e não demonstrando
sua imponência e majestade, como nas madonas barrocas e nos
retratos do século XIX, que representavam seriedade e autoridade.
Nesse meio de oposições,
duplicidades, contrastes, o que a obra nos mostra afinal é
que não estamos dissociados uns dos outros, homem e mulher
se complementam, assim como corpo e alma, razão e sentimento.
Um só existe em razão do outro e na sociedade atual
não existem mais essas parcerias. Estamos nos afastando cada
vez mais de nossa natureza a ponto de não termos nem mais
identidade, todos passamos a ter o mesmo rosto.
Essa massificação
nos faz perder o elo de ligação com o mundo e ficamos
dependentes de uma mediação para nos relacionarmos
com a realidade.
O que é retratado neste quadro
de Colnago é ao mesmo tempo a individualidade burguesa no
sistema capitalista, onde o coletivo já não existe
mais, e a desvalorização da experiência individual,
sem vínculos com a natureza universal. É o ser humano
visto “sem identidade individual, deslocado das relações
sociais e sem lugar particular”.
“Não existe mais (...)
um universo íntimo, (...) um espaço/tempo privado
(...) na medida em que, com TV, computadores e vídeo games,
(...) cada pessoa vê a si mesma (...) isolada numa posição
de perfeita soberania, que eleva o mundo doméstico a uma
espécie de metáfora absoluta do espaço. Todo
o universo parece desdobrar-se aleatoriamente na tela doméstica,
fazendo com que desapareça um cenário antes preservado
pela separação entre público e privado, numa
espécie de obscenidade em que os mais íntimos processos
da vida individual tornam-se campo fértil para a mídia”.
(PELLEGRINI, 1995, p. 79-80)
Apesar do ambiente celeste e do direcionamento
para o divino, parece que madame Antonieta não é digna,
ou não se sente digna de fazer parte desse mundo superior.
Sua fragilidade e expressão sofrida a aproximam mais do humano.
Uma atitude neoclássica de humanização de personagens
religiosas, o que será levado em consideração
se compararmos Madame Antonieta com a Virgem Maria, que é
lembrada por suas funções de mãe, esposa, ou
seja, papéis comuns a todas as mulheres.
Madame Antonieta
parece estar à espera de que algo aconteça, a tire
desse estado melancólico e a leve para uma vida superior.
Ela se encontra em um eterno estar, no qual não existe passado,
presente ou futuro; não existe tempo.
É também
como a espera da dona de casa pelo seu marido no fim do dia ou a
espera de mulheres anônimas como em Três Horas/ Diferentes
Pessoas/ Em Santos/ Fora de Casa, do brasileiro Carlos Fajardo.
Como Antonieta, os rostos dessas mulheres mergulham em sombras irremediáveis.
Três Horas/ Diferentes Pessoas/ Em Santos/ Fora de Casa, Carlos
Fajardo.
O ARTISTA:
Attilio Colnago é capixaba de São Domingos,
município ao norte do Espírito Santo, onde concluiu
os estudos do ensino fundamental. No colégio Marista, em
Colatina, cursou o ensino médio. É graduado em Artes
Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo
(1977) e nessa instituição desde 1978 é professor
de Desenho, Materiais e Técnicas de Pintura e Restauração.
Nessas áreas das artes plásticas tem produzido desenhos,
pinturas e objetos, ora de forma isolada, ora intercambiando essas
técnicas nos mais diversos objetos de arte.
Ao lado de suas atividades como docente e pesquisador,
ele coordena o Núcleo de Conservação e Restauração
do Centro de Artes da UFES, e também foi coordenador das
atividades da Galeria de Arte e Pesquisa dessa unidade de ensino.
É especialista em Conservação e Restauração
de Bens Cultuais Móveis, Pintura em Cavalete e Escultura
Policromada sobre Madeira pela Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais.
A sua trajetória como artista plástico
tem sido a mais profícua possível. No início
de sua carreira dedicou-se mais ao desenho com grafite, nanquim
e aquarela. Após diversos cursos e pesquisas em festivais
de arte, oficinas e atividades como docente e pesquisador, ele assume
publicamente o seu lado de pintor.
A partir de 1984 passa a pintar séries temáticas
centradas na figura humana, sem abandonar outras formas de representação,
porém sempre incorporadas aos temas-objeto de estudo e pesquisa.
Nesse período começa a fazer uso de têmpera
a ovo, vinílica e acrílica.
A figura humana feminina é a sua forma de
representação preferida. Como tema, ela apareceu pela
primeira vez em 1984, na série de pinturas sobre os Orixás.
A sua incursão pelos temas sacros tem início
em 1985, com estudos sobre Madonas. O tema Sebastianus foi o primeiro
de figuração masculina que ele produziu e coincidiu
com o início de suas atividades como restaurador de imagens
de esculturas sacras e telas de pinturas, após retornar dos
seus estudos em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Nesses vinte e um anos, de 1984 a 2005, Attilio
Colnago tem produzido, no mínimo, uma série temática
a cada ano, fora a sua participação em exposições
coletivas. Suas obras, além do Espírito Santo, já
percorreram exposições em Santa Catarina, Minas Gerais,
São Paulo e Bélgica. Para este país foi levada
a série dos Orixás.
Nessas exposições, a figura humana
feminina tem sido representada, por meio de suas pinturas, desenhos
e objetos, nos mais diversos papéis que a mulher desempenha
na sociedade e que são de domínio público.
Isso não exclui a figura humana masculina que, às
vezes, é também representada, em situações
de coadjuvante do papel feminino, ou como essencial ao tema pesquisado,
como pode ser visto em Cenas de um Casamento (1984). Os papéis
femininos são tratados pelo artista como estereótipos
sociais, muitas vezes com sentido irônico, para não
dizer cínico. Suas mulheres são mães, filhas,
esposas, irmãs, namoradas, amigas, amantes, rainhas, princesas,
artistas, matriarcas, escritoras. Ora santas, damas, donzelas, ora
mundanas; ora amadas, confidentes, ora traídas, desdenhadas,
ora indiferentes, mas sempre no centro das atenções
e expondo o seu lado sedutor e, por que não dizer, misterioso.
Todas essas características marcam a série
de 1996: A Casa de Mme Antonieta. Nela, a jovem representada assume
esses papéis quase que simultaneamente, sugerindo então
uma mistura de carnalidade e espiritualidade excepcional.
No primeiro semestre deste ano (2005), Attilio Colnago
retorna ao desenho e às figurações masculinas,
sem deixar de lado o elemento feminino, ambos presentes na série
temática Confidências para uma terceira pessoa. A figura
masculina aparece em três tempos, em representações
de auto-retratos de sua infância, juventude e maturidade,
que, associadas a representações de recortes de figuras
masculinas de artistas renascentistas, são desenhadas sobre
“suporte rígido de MDF e uma urdidura composta de gesso
sotille e óxido de zinco” (Arantes, 2005, p.14) por
onde deslizam pontas de prata, de latão e de cobre. As figuras
masculinas renascentistas retornam para uma representação
onde unem-se dor, sedução e prazer, retiradas de obras
como São Sebastião (1454) de Andréa Mantegna
(1431-1506), Martírio de São Sebastião (1516)
de Hans Holbein, O Velho (1465-1524), Cristo Morto de Hans Holbein,
O Moço (1497-1543) e Adão e Eva (1528) de Lucas Cranach,
O Velho (1472-1533). É o diálogo da técnica
do desenho e dos materiais renascentistas, do MDF, substituto da
madeira que o desenvolvimento consumiu e reproduziu, concretizado
em um tema que recupera figuras e estilos de períodos da
história da arte como o Renascimento e percorre influências
de artistas modernos e contemporâneos, no caso o brasileiro
Farnese de Andrade. Dele, Colnago utiliza os bonecos, representando-os
em pinturas com ambientes reais e assim causando um estranhamento
ao olhar.
Revisão de Maria Inês Dieuzeide
Referências bibliográficas
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mulher: um estudo de arte brasileira. Rio de Janeiro: Senac Rio,
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